La Clemenza di Tito – Teatro Nacional de São Carlos, récita de 22 de Fevereiro de 2008
À medida que a temporada lírica do TNSC avança, cresce em mim a estupefacção: a produção de hoje, invariavelmente, suplanta as precedentes, em matéria de mediocridade, amadorismo e – à la limite – desrespeito pelo público.
A produção ora em cena de La Clemenza di Tito – por sinal, a mais bela peça lírica seria de Mozart (e que vence aos pontos Mitridate, Lucio Silla ou mesmo Idomeneo, apenas para citar as mais célebres) – toca as raias do escândalo.
Joaquim Benite, cuja carreira como encenador à frente da Companhia de Teatro de Almada se encontra impregnada de brilho, pela primeira vez, encena uma peça lírica, a pedido da anterior direcção do TNSC.
Sem brilho, nem glória, Benite aposta na transposição da trama para os anos 1920, envoltos numa estética Déco - plena de geometrias -, com resquícios de Arte Nova – a utilização de materiais que a segunda revolução industrial democratizara, nomeadamente o vidro e o ferro.
Algo vai mal, do meu ponto de vista, quando uma encenação se socorre da palavra para se afirmar. Pois bem, Benite – que se desdobrou em entrevistas e declarações, a propósito desta sua primeira incursão na lírica - justifica a transposição da trama para os "anos loucos", argumentando que também este período do século XX se encontra repleto de utopias. A talho de foice, o encenador sublinha a importância das utopias secundárias ao pensamento de Rousseau, que Mozart introduz em La Clemenza di Tito.
Tudo isto será óbvio para o encenador, mas não para o espectador! Eu – pelo menos eu... – questionei-me em permanência sobre o propósito desta leitura, que sendo legítima, de óbvia nada contem.
A cenografia, apesar de grandiosa e escorreita – fiel à época – espalha-se nos detalhes. Por exemplo, os vidros do cenário – ou, melhor dito, as fibras de vidro! – mantêm uma ordinária película de plástico protector, visível do fundo da plateia! Por outro lado, insiste-se numa velha obsessão: a cama – ou a puta da cama -, peça indispensável e omnipresente nas últimas produções de Così, bem como de Rigoletto. Por que razão se sublinha o evidente?
Apreciei o desenho de luzes, particularmente eficaz na cena do incêndio. De igual modo, apreciei muitíssimo os figurinos de Filipe Faísca, pelo requinte e ousadia. Mal sabia o estilista que as suas criações se destinavam a matronas e obesos, maioritariamente. Bem sei que as adiposidades em excesso fazem parte do universo lírico, sendo bem toleradas, mas – com franqueza – (também) à vista, o coro é desolador.
No capítulo dos solistas, definitivamente, Mozart foi vilipendiado.
Na lírica – e não só – Mozart é sinonimo de harmonia, equilíbrio e graciosidade. As vozes devem ser predominantemente líricas, algo ágeis, bem redondas e elegantes.
Visivelmente, a produção teve outro entendimento nesta matéria, optando por cantores de duvidosa qualidade.
O Tito de Lippert – que Solti venerava... há vinte anos - foi confrangedor, desafinando em permanência. Damato - Vitellia cenicamente aceitável - estendeu a acidez da personagem à voz, berrando e berrando, para além dos pretensos e falhados trejeitos belcantistas. A isto acresce uma ausência de graves decentes!
Shill (Servillia) mantém-se igual a si própria: um logro. O Sesto de Marilley exibiu uma voz feia, apoiada numa técnica titubeante, sem graça alguma.
No meio deste desolador panorama vocal, destacaria o Annio de Noldus – correcta e dramaticamente convincente -, a par do Pubio de Armasi. Quanto à direcção de actores, não fugindo à regra, foi desoladora. À excepção de um ou outro solista, nenhum dos demais sabia, sequer, o que fazer aos braço!
Por fim, Stert - em estreia no TNSC, à frente da Orquestra Sinfónica Portuguesa – dirigiu uma leitura entre o razoável (abertura) e o medíocre, com deslizes para todos os gostos, particularmente nas cordas. Estranhamente, o maestro foi o único apupado, enquanto a vergonhosa troupe de solistas teve honras e bravi a rodos.
Algo está podre na ópera nacional...
Pelo andar da carruagem, se um pingo de vergonha e rectidão restar aos dirigentes políticos, a actual direcção do TNSC deverá ser despedida, não com uma missiva, mas antes com um valentíssimo e decidido pontapé no cu! Sem meias-tintas.
Para consolo dos desalentados – como eu! -, proponho 5 indispensáveis leituras de La Clemenza di Tito, que apresento por ordem de aquisição:
À medida que a temporada lírica do TNSC avança, cresce em mim a estupefacção: a produção de hoje, invariavelmente, suplanta as precedentes, em matéria de mediocridade, amadorismo e – à la limite – desrespeito pelo público.
A produção ora em cena de La Clemenza di Tito – por sinal, a mais bela peça lírica seria de Mozart (e que vence aos pontos Mitridate, Lucio Silla ou mesmo Idomeneo, apenas para citar as mais célebres) – toca as raias do escândalo.
Joaquim Benite, cuja carreira como encenador à frente da Companhia de Teatro de Almada se encontra impregnada de brilho, pela primeira vez, encena uma peça lírica, a pedido da anterior direcção do TNSC.
Sem brilho, nem glória, Benite aposta na transposição da trama para os anos 1920, envoltos numa estética Déco - plena de geometrias -, com resquícios de Arte Nova – a utilização de materiais que a segunda revolução industrial democratizara, nomeadamente o vidro e o ferro.
Algo vai mal, do meu ponto de vista, quando uma encenação se socorre da palavra para se afirmar. Pois bem, Benite – que se desdobrou em entrevistas e declarações, a propósito desta sua primeira incursão na lírica - justifica a transposição da trama para os "anos loucos", argumentando que também este período do século XX se encontra repleto de utopias. A talho de foice, o encenador sublinha a importância das utopias secundárias ao pensamento de Rousseau, que Mozart introduz em La Clemenza di Tito.
Tudo isto será óbvio para o encenador, mas não para o espectador! Eu – pelo menos eu... – questionei-me em permanência sobre o propósito desta leitura, que sendo legítima, de óbvia nada contem.
A cenografia, apesar de grandiosa e escorreita – fiel à época – espalha-se nos detalhes. Por exemplo, os vidros do cenário – ou, melhor dito, as fibras de vidro! – mantêm uma ordinária película de plástico protector, visível do fundo da plateia! Por outro lado, insiste-se numa velha obsessão: a cama – ou a puta da cama -, peça indispensável e omnipresente nas últimas produções de Così, bem como de Rigoletto. Por que razão se sublinha o evidente?
Apreciei o desenho de luzes, particularmente eficaz na cena do incêndio. De igual modo, apreciei muitíssimo os figurinos de Filipe Faísca, pelo requinte e ousadia. Mal sabia o estilista que as suas criações se destinavam a matronas e obesos, maioritariamente. Bem sei que as adiposidades em excesso fazem parte do universo lírico, sendo bem toleradas, mas – com franqueza – (também) à vista, o coro é desolador.
No capítulo dos solistas, definitivamente, Mozart foi vilipendiado.
Na lírica – e não só – Mozart é sinonimo de harmonia, equilíbrio e graciosidade. As vozes devem ser predominantemente líricas, algo ágeis, bem redondas e elegantes.
Visivelmente, a produção teve outro entendimento nesta matéria, optando por cantores de duvidosa qualidade.
O Tito de Lippert – que Solti venerava... há vinte anos - foi confrangedor, desafinando em permanência. Damato - Vitellia cenicamente aceitável - estendeu a acidez da personagem à voz, berrando e berrando, para além dos pretensos e falhados trejeitos belcantistas. A isto acresce uma ausência de graves decentes!
Shill (Servillia) mantém-se igual a si própria: um logro. O Sesto de Marilley exibiu uma voz feia, apoiada numa técnica titubeante, sem graça alguma.
No meio deste desolador panorama vocal, destacaria o Annio de Noldus – correcta e dramaticamente convincente -, a par do Pubio de Armasi. Quanto à direcção de actores, não fugindo à regra, foi desoladora. À excepção de um ou outro solista, nenhum dos demais sabia, sequer, o que fazer aos braço!
Por fim, Stert - em estreia no TNSC, à frente da Orquestra Sinfónica Portuguesa – dirigiu uma leitura entre o razoável (abertura) e o medíocre, com deslizes para todos os gostos, particularmente nas cordas. Estranhamente, o maestro foi o único apupado, enquanto a vergonhosa troupe de solistas teve honras e bravi a rodos.
Algo está podre na ópera nacional...
Pelo andar da carruagem, se um pingo de vergonha e rectidão restar aos dirigentes políticos, a actual direcção do TNSC deverá ser despedida, não com uma missiva, mas antes com um valentíssimo e decidido pontapé no cu! Sem meias-tintas.
Para consolo dos desalentados – como eu! -, proponho 5 indispensáveis leituras de La Clemenza di Tito, que apresento por ordem de aquisição:
O actual director do TNSC devia ser fuzilado e na vala comum onde deveria ser depositado o corpo deveria estar, já em avançado estado de decomposição, o cadáver do anterior director!
ResponderEliminarJ. Ildefonso.
É uma opinião que respeito.
ResponderEliminarEu, pessoalmente, considero o Idomeneu superior a La clemenza di Tito.
RAUL
O Idomeneu é uma ópera soberba reconheço-a superior à Clemenza di Tito mas pessoalmente prefiro a Clemenza porque me identifico muito mais com os personagens. Aproveito a sugeir um d.v.d. da referida ópera que poderia ser de antologia, se não fosse terem subvstituido os recitativos por texto declamado!, da Ópera de Zurique com a Kassarova/ Kaufman/ Mei! É absolutamente brilhante do ponto de vista vocal e orquestral a produção é bastante elementar e tradicional mas muito elegante e toma bem partido de todos os interpretes serem jovens e belos. Aliás a Mei pareçe uma estrela de cinema dos anos 40 com um guarda-roupa requintadíssimo. Muito melhor do que a produção de Salsburg também com a Kasarova!
ResponderEliminarJ. Ildefonso.
Em CD tenho:
ResponderEliminarDavis: Baker, Burrows, Minton, von Stade, Popp
Em DVD:
Levine: Nebblet, Tappy, Troyanos, Howells, Malfitano
O João Ildefonso conhece ?
Eu acho-as muito boas.
E a propósito: eu acho que a primeira troca de comentários que tivemos neste blogue foi sobre esta ópera ? Lembra-se ?
RAUL
Lembro-me sim Raúl.
ResponderEliminarFoi horrivel e totalmente desnecessário. Dum amadorismo cénico, vocale músical embaraçoso.... já vi muita merda no S. Carlos como a Adina, o Habu-Hassan ou o Guarani mas assim! Confesso que foi a primeira vez. O maestro dormia. A vitellia berrava. O Titto é do século passado. A Servilia não se pode ver de pirosa que é e ainda por cima é péssima. O Sexto tem uma noção do que faz mas é inaudível. O Públio pareçe o moço da estrebaria. O encenador é dum amadorismo e duma falta de imaginação desoladora. O guarda-roupa é feíssimo e de péssima qualidade sem nenhum conceito ou padrão cromático descernivel, etc, etc
J. Ildefonso.
O João Ildefonso acha que respondeu às minhas perguntas !!!
ResponderEliminarRAUL
Não mas tinha que desabafar!
ResponderEliminarVi o d.v.d. em questão hà já muito tempo na casa dum amigo e achei muito feio e pretensioso. Sinceramente acho que foi a única coisa do Ponelle que vi e não gostei. A Troyanos está explêndida e o Tappy é bastante interessante mas detestei a Servilia e a Vitellia. O c.d. conheço só de excertos mas pareçeu-me excelente. reparei que a Baker omite os agudos do trio. Não acho mal! Se é para serem feios! O Mozart nunca teria escrito aqueles agudos se tivesse a Baker como Vitellia. Um grande abraço saudoso.
J. Ildefonso.
Eu em 1974 vi o Eric Tappy no São Carlos na Tamino. Que tempos diferentes ! Ah, e dos restantes faziam parte, entre outros, a Helen Donath e o Walter Barry.
ResponderEliminarGrande abraço.
RAUL
O Sarastro era o Hans Sotin, se não estou em erro.
ResponderEliminarCumprimentos.
Exacto. Isto pouco antes seguido pelo Requiem de Verdi que vi no Coliseu com a Pilar Lorengar, Fiorenza Cossoto, Veriano Luchetti e Hans Sotin, notável Wotam e Ochs. Uns dias antes tinha sido a Missa Solene de Beethoven com o mesmo elenco excepto a Cossoto e que neste caso foi a Josephine Veasey. E tudo isto a poucos meses do 25 de Abril.
ResponderEliminarNão nos podemos esquecer que a noite do 25 do Abril se deu na noite da Traviata no Coliseu pela Sutherland e para o qual eu tinha bilhete, mas como militar miliciano destacado em Gaia, resolvi não arriscar, pois o ambiente andava tenso nos quartéis.
RAUL
A propósito lembro-me bem da von Stade! Achei-a mais interessante do que a Yvone Minton e tive pena que não fosse ela o Sexto. A Minton cantava muito bem com voz e gosto mas pareçia um pouco alheia ao papel.
ResponderEliminarJ. Ildefonso.
João Ildefonso,
ResponderEliminarYvonne Minton foi (deduzo que já não canta), na minha opinião, uma grande cantora, muito ecléctica e com um timbre perfeito. Para mim está entre os grandes mezzos do século. Eu tive oportunidade de a ver na Fricka de A Valquíria em 1989 no Coliseu. Que autoridade ! (Uso como os ingleses usam a palavra, já que o português é paupérrimo em adjectivar vozes)
RAUL