sábado, 23 de fevereiro de 2008

Da Paranóia



«Existe em Portugal uma criminalidade muito importante, do mais nocivo para o Estado e para a sociedade, e que andam por aí impunemente alguns a exibir os benefícios e os lucros dessa criminalidade e não há mecanismos de lhes tocar. Alguns até ostensivamente ocupam cargos relevantes no Estado Português»

António Marinho Pinto, através desta famosa declaração – que embora contenha verdades, enferma de um carácter demasiadamente abstracto e falacioso – revela a essência do funcionamento paranóico.


Sempre de dedo em riste e porte altaneiro, o paranóico – qual arauto da justiça e rectidão – denuncia, acusa e brada contra os malfeitores. Crê ter uma missão a cumprir, que persegue obstinadamente.

Qual justiceiro, o paranóico, profundamente moralista, o mor das vezes em tom colérico, brada e brada e brada, sempre na senda da rectidão – com que se identifica, em absoluto -, por oposição ao vasto conjunto de criminosos e corruptos, que denuncia e presenteia com epítetos pouco edificantes.

De verbo fácil e inflamado, o paranóico triunfa na politica: reivindicativo e idealista (por vezes fanático), aglutina em seu redor as massas vítimas da exploração, que manipula com agilidade, instigando-as contra os "burgueses, os criminosos, os políticos, os faltosos, os infiéis".



A actualidade está cheia destas criaturas, incansáveis lutadores e defensores dos oprimidos, missionários da verdade límpida, acérrimos cultores dos sãos princípios e boas práticas: de Louçã a Garcia Pereira, passando por Manuel Monteiro ou Carvalho da Silva; com maior moderação, Manuel Alegre, Helena Roseta e Sá Fernandes juntam-se ao clube.



Clinicamente, o paranóico revela-se através da autofilia / hipertrofia do eu – sobrestimando-se, habitualmente autoritário, com um orgulho imenso, sempre seguro de si, detentor de uma verdade intocável e absolutamente objectiva, explana-se por via da uma racionalidade fria e pretensamente isenta.

A falsidade do juízo constitui outra das características clínicas desta personalidade. A capacidade de autocrítica é inexistente, sendo que o raciocínio – apesar de profundamente lógico – se apoia em premissas dominadas pela subjectividade.

De facto, como disse, ainda que a denúncia de Marinho Pinto contenha alguma sustentação, a mesma enferma de uma patética falta de objectividade e rigor. O causídico dispara contra tudo e todos, como se a parte constituísse o todo, jamais concretizando as suas denúncias.

Que há em Portugal – como no mundo, aliás – corruptos, todos sabemos. Mas, convenhamos, a corrupção não faz regra, antes sendo excepcional.

Por fim, a paranóia revela-se na clínica através da desconfiança permanente e susceptibilidade. Efectivamente, a personalidade paranóica vive em permanente alerta, sempre na expectativa de que o enganem, ludibriem ou – no limite – o ataquem.

Em termos de dinâmica psíquica, no essencial, o paranóico recorre à projecção evacuativa sobre o objecto – o outro -, nele colocando as representações e pulsões recusadas pelo Eu. O objecto torna-se, pois, facilmente num perseguidor, posto que passa a ser portador dos aspectos não tolerados pelo sujeito.

Dito isto, fiel e paciente leitor, com muita frequência, o que mobiliza o ataque da personalidade paranóica mais não é do que uma característica que o próprio não reconhece, nem tolera em si mesmo. O perseguidor, malfeitor, que esta personalidade denuncia em permanência, queiramos ou não, mais não é do que um perseguidor interno, que habita dentro do sujeito.


Moderadamente, a personalidade paranóica tem o mérito de denunciar e expor erros, falhas e injustiças. Em excesso, quando dominados por uma manifesta subjectividade, as personalidades desta natureza apenas criam mal-estar.

3 comentários:

  1. Ou seja precisam de um açaime :-) ... Fora de gozo parece-me obvio que por mais razão que tenha um representante de uma ordem não pode dizer o que ele disse. Ao fazê-lo não contribui em nada para a resolução do dito apenas ajuda a que se torne uma piada.

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  2. O problema não é haver "paranóicos", que sempre os haverá, com mais ou menos sucesso, e, em número "ecologicamente" adequado, são úteis para espevitar mentalidades.

    O Problema é quando eles são os únicos, a clamar por uma vida normal, por ausência de "pessoas normais" que disso cuidem.

    E ainda pior, quando o clamar dos paranóicos, tem os eco que tem, parece que são os únicos a dizer "O rei vai nu", por indeferença dos "normais" ao facto do rei ir nú.

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