domingo, 23 de setembro de 2007

Maria Cecilia Malibran Bartoli

Este trabalho pretende ser uma homenagem a Maria Malibran, uma das mais célebres cantoras líricas da história.


(Maria Malibran)

Maria Malibran (1808-1836), a par de Giuditta Pasta e Isabel Colbran (entre inúmeras outras), foi uma célebre prima donna do romantismo. Celebrizou-se ao substituir a Pasta, em Junho de 1825, em Londres, na pele de Rosina, tendo estreado a lírica da dupla Mozart – Da Ponte, na América, interpretando Zerlina, de Don Giovanni.

Madame Malibran é frequentemente descrita sob o signo da emancipação: mulher pouco dada ao respeito pela autoridade e convenções, evidenciava a sua manifesta aversão a limites e constrangimentos de toda a espécie. Admira-me que as feministas não tenham feito da figura desta diva um dos seus ícones... se calhar, a senhora não queimou soutiens...

Voz de tessitura inusitada, de uma extensão extraordinária, a senhora Malibran seria, nos nossos dias, um mezzo-soprano. À época, é sabido, esta classificação era efémera.

Através deste trabalho, La Bartoli revisita alguns dos triunfos da Malibran, interpretando trechos e árias de ópera romântica, de pendor marcadamente belcantista. Parte destes trechos corresponde a composições escritas para a própria Maria Malibran.


(DECCA 475 9077)

Em duas palavras, diria que este indispensável registo de Cecilia Bartoli convence e triunfa.

Desde logo, à semelhança das gravações da mezzo romana do início do século, opta-se pelo risco, interpretando-se trechos inéditos, ao invés de repisar territórios ultra-explorados.

A voz mantém as qualidades de sempre, apesar de se encontrar mais escura, menos discreta nas mudanças de registo e mais parca em espontaneidade nos pianissimi. A coloratura permanece inabalável, bem afim com a pirotecnia. A articulação prossegue imaculada, com um clareza espantosa – um francês admirável e um castelhano (quase) nativo!

Quanto aos dotes expressivos, como sempre, encontram-se no ponto desejável.

Em matéria de interpretação, Bartoli revela prudência, investindo nos dois territórios que melhor se adequam ao seu carácter: o lirismo e o buffo - leggero, ambos envoltos em momentos de bravura absolutamente triunfais.

Pessoalmente, destacaria Yo que soy contrabandista, da autoria de Manuel Garcia (o pai de Maria Malibran), pela garra e ousadia gitana, a ária final e cabaletta de La Sonnambula, de Bellini, cuja ornamentação admiravelmente modelar destrona a Stupenda Sutherland (desde a primeira interpretação de Joan Sutherland, de inícios dos anos 1960, desta mesma ópera, jamais testemunhei semelhante virtuosismo!).

A estes momentos de gioia, dois outros se juntam, particularmente pela qualidade da bravura: Air à la tirolienne avec variations, de J. N. Hummel, e ainda Rataplan, da autoria da própria Malibran.

No território das decepções, hélas, Norma, a derradeira ária do álbum, assume a dianteira: demasiadamente prudente, sem correr o mínimo risco, peca sobretudo pela falta de legato e pelo lirismo excessivo, sem a mais leve sombra de espessura dramática.

Em jeito de síntese, diria tratar-se de um notável trabalho, que brilha pela qualidade técnica, em primeiríssima mão. Trata-se de um retorno de Cecília Bartoli ao Romantismo - depois de uma longa ausência -, em instrumentos da época, no auge de uma carreira que revela indesmentíveis afinidades com as da homenageada.



Aliás, aqui para nós, caro e paciente leitor, por detrás desta notável homenagem, espreita um desejo latente de identificação!

E perché non?

14 comentários:

  1. Bom..........Com tamanha crítica, lá vou eu ter de juntar os meus parcos trocados e investi-los neste CD que, TODA A GENTE, descreve como sendo ESTONTEANTE.

    Um abraço a todos

    Filipe

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  2. É realmente ESTONTEANTE! Confesso que não gostei imediatamente do CD na 1.º audição que fiz... mas com a audição repetida estou a adorá-lo!

    Boa semana,

    Moura Aveirense

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  3. Maria Malibran (1808-1936)...

    Ora cá temos uma recodista de longevidade ...

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  4. Ah, ah, ah!
    Pois é, anónimo... eu tudo fiz por prolongar a vida à senhora ;-)))

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  5. Olá. Pois eu já tenho a certeza de que não gosto muito do c.d.!
    O grafismo é assustador, seria realmente necessário todas aquelas fotos da Bartoli.... e as chávenas com a Malibran.... O texto é extenso mas informação que se veja sobre as óperas ( a maioria completamente desconheçidas), a motivação do personagem, etc.... pelo contrário temos episódios anedóticos sobre a vida da Malibran!
    Quanto á tessitura da Malibran acho que realmente ningém sabe e por isso pareçe-me um pouco gratuito especular. Também a Callas cantou a Rosina e a Norma e que eu saiba nunca ningém pensou nela como um mezosoprano! Também a Bartoli hoje em dia não me pareçe um mezosoprano.... pareçe-me mais um bom soprano lirico desprovido de agudos com escola Belcantista e pericia nas agilidades.
    O reportório pareçe-me em grande parte lamentável. Não valia a pena gravá-lo e confesso que me arrepia o Ratan-plan tão próximo da Sonâmbula....

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  6. (continuação)
    A Bartoli pareçe-me ter iniciado a fase de declinio. A voz ainda é muito bela e homogenea, mas longe do que foi, a técnica continua a ser fabulosa mas cada vez mais me erritam certos preciosismos da interprete. O talento dramático é admirável mas por vezes alguma contenção seria bem vinda. Obviamente continua a ser uma artista absolutamente única mas cada vez mais é menos uma grande cantora e é antes uma grande personalidade do mundo da Opera. Tal como a Caballé a partir de certo momento da carreira. Confesso que tenho saudades da Bartoli 1ª fase da carreira da Clemenza de Tito....

    J. Ildefonso.

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  7. Ando um bocado chateado com esta cena da Bartoli mais a Malibran. O problema tem que ver com o sentimentos egoístas levados ao extremo. Desde sempre soube algo da Malibran e da família Garcia, fazendo desse conhecimento uma mais-valia. As fontes eram livros e enciclopédias. Assim a grande Malibran aparecia-me semi-divinizada a começar pelo nome que adorava, como o da Pasta. Agora vem a Bartoli e parte-lhe o encanto, popularizando-a. Estou mesmo chateado.
    Ainda não ouvi o disco porque não há no sítio onde vivo. Só lá para Janeiro terei possibilidade de o arranjar.
    Depois de o ouvir tentarei responder ao azedume do João Ildefonso.
    Raul

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  8. Querido Raúl.

    Agora que ouvi o c.d. com mais atenção talvez tenha sido excessivamente violento mas as críticas que referi mantenho-as.... talvez só altera-se um pouco o "estilo" do mail:-)))
    Acima de tudo o folheto informativo é péssimo gosto, populista e extraordinariamente "piroso". Parte do reportório, se bem que cantado com sabedoria e elegância não mereçia se gravado, todo o debate sobre a tessitura da Malibran pareçe-me um pouco viciado ( a Callas também cantou a Sonambula, a Norma e a Rosina em chave de meio-soprano e ninguém pareçe achar que ela seja um meio-soprano, não é?) e sinceramente não me pareçe que a Bartoli possa seguir parte do reportório gravado ao vivo. Não refiro em recital mas sim nas ópera completas.

    J. Ildefonso.

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  9. João,

    Não estarás a ser excessivamene passional???

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  10. Moura,

    Pois eu, gostei muitíssimo, logo na segunda audição, como bem atestam as longas linhas que redigi!

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  11. Caríssimo João Ildefonso,
    Sobre o canto não posso contrapor nada, pois, como disse, não ouvi o CD.
    Acredito plenamente que o folheto seja apirosado, mas a Bartoli é um bocadinho popularucha, faltando-lhe a classe da von Otter e da Dessay. Há ali muito spagueti alla bolognese, que por sinal me sabe sempre bem. Percebe-me ?
    Sobre a tessitura da Malibran, a deusa que a Bartoli dessacralizou, seria talvez um contralto di agilitá, que para a Norma seguiria o estilo declamatório à la Gluck.
    Sobre a Callas cantar a Sonâmbula em chave de meio-soprano, não estou nada de acordo.
    Agora outra coisa completamente fora de propósito: posso pedir o seu email ao nosso Dissoluto? Para me responder a esta pergunta através do blogue, tem de ser hoje, pois vou regressar amanhã à terra onde são censurados os blogues. Pode é fazê-lo por outro meio que é telefonar ao nosso Dissoluto e ele manda-me, ou não me manda, o seu email. Preciso de lhe fazer uma pergunta.
    Um abraço
    Raul

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  12. Claro que pode pedir o meu mail ao João. Aliás posso dá-lo aqui mesmo. Cá vai.
    joao_ildefonso@hotmail.com

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  13. Acho que houve uma frase no meu mail que o Raúl não entendeu. O que eu pretendia era dizer que mesmo a Callas tendo cantado alguns papeis na chave de meio-soprano ninguém a classifica como tal. Não poderá a Malibran ter sido um soprano com uma voz bastante extensa que lhe permitiria cantar o Romeu e a Sonambula. Aliás a versão que a malibran cantava do Romeu é descrita como sendo para dois sopranos! Existe a gravação em d.v.d.!

    J. Ildefonso.

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  14. Talvez esteja a ser muito passional, não sei!
    Mas a verdade é que acho que a Bartoli perdeu qualidades vocais e interpretativas. A voz pareçe-me defecientemente projectada, pobre de harmónicos e num constante canto à "flor da boca" semi recitado que contrasta de forma desgradável com os passos de bravura. Interpretativamente pareçe-me excessiva e artificiosa. Lamento mas não me encantou como nos anteriores c.d.'s de Vivaldi, Gluck, Salieri e das cantatas barrocas. Pareçe-me que a Bartoli começa a sofrer dos sintomas comuns aos cantores que gravam e cantam muito em recital e concerto mas que descuram a apresentação em opera com a salutar orientação dum maestro e o trabalho criativo em equipa com os seus iguais.

    J. Ildefonso.

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