terça-feira, 10 de março de 2009

Esse Obscuro Objecto PERVERSO: Buñuel, Freud, Wagner, Böhm, King & Rysanek


(Cet obscur objet du désir, Luis Buñuel, 1977)

Cet obscur objet du désir, obra derradeira de Buñuel, constitui, para este escriba, o mais extraordinário retrato da Perversão, tal como Freud a definiu.

Luis Buñuel odiava a psicanálise. Teria as suas razões. Habitualmente, os analistas – categoria onde me incluo, evidentemente – tendem a duvidar do ódio manifesto pela sua ciência, que com frequência dá conta de uma operação defensiva radical.

Provavelmente, Buñuel nem se dignaria ler estas linhas. Não o admiro menos por isso.

Vamos à coisa!

O tema da perversão é caríssimo a Buñuel – Belle de Jour, Tristana e Esse obscuro objecto do desejo.

O sado-masoquismo e a clivagem (cisão do EU) perpassam as obras citadas, atingindo a expressão suprema no derradeiro filme de Luis Buñuel. Nas três películas, o jogo e alternância entre posições sádicas – poderosas vs masoquistas – submissas e humilhantes é mais eloquente do que a esmagadora maioria dos escritos psicanalíticos sobre a psicopatologia da perversão.

Em Belle de Jour, a belíssima Deneuve, por via da clivagem, assume uma identidade dupla: frígida no leito matrimonial e perversa na casa de passe. Uma e outra materializam partes cindidas do Eu, que jamais coexistem.

Também Tristana apresenta uma clivagem radical do Eu. Submissa e masoquista antes da amputação e profundamente sádica após a desventura.

Porém, em Esse obscuro objecto do desejo, Buñuel atinge a glória no colorido criativo que confere à expressão da perversão sexual. Conchita é interpretada por duas actrizes distintas. O cineasta atribuía tal facto a circunstâncias exteriores, explicadas pela realidade objectiva e – pasme-se! -, pela casualidade!


(Mathieu e Conchita, ossia Rey e Bouquet vs Rey e Molina)

Com o devido respeito, Buñuel, com a trôpega justificação adiantada, apenas procurou banalizar a essência d'a coisa. Conchita, a perversíssima, tinha, de facto, duas faces, à semelhança de parte das personagens femininas do Buñuel final: de um lado a frígida (que Carole Bouquet incarna), e de outro a lasciva – "putéfia", primorosamente interpretada por Angela Molina.


E poderia o artista terminar A obra de melhor forma, senão com a exaltação do amor incestuoso – e, por essa via, perverso – que une Siegmund a Sieglinde (Die Walküre), nas vozes e perfeitas interpretações – definitivas ?! – de, respectivamente, James King e Leonie Rysanek?


(Die Walküre, direcção de Karl Boöhm - Bayreuth 1967)

A história da perversão inicia-se e termina com B, de Buñuel e Böhm (a partir de Wagner, neste último caso).

Paz à(s) sua(s) alma(s).

5 comentários:

  1. tá explicado a critíca mordaz e fria deste blog.... provém do cérebro perpiscaz e treinado de um psicólogo ou psiquiatra ou coisa similar e/ou parecida

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  2. Anónimo,

    Acha a minha crítica mordaz e fria?! Nunca dei por isso...

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  3. Caro Dissoluto: ainda não tenho, como sabe, bagagem buñuelista o suficiente para a discutir como deve de ser. No entanto o fenómeno incestuoso Sieglinde/Siegmund carece ainda em mim de uma boa explicação racional que não o acantone nas perversões ou monstruosidades humano-comportamentais. Preciso de alguém que mo clarifique tintim por tintim; porque, por enquanto, ainda sou uma gostosa vítima da paixão lírico-arrebatadora assinada por Wagner na sua superlativa DIE WALKURE.
    Peço esclarecimentos… a alguém… :-)
    All the best.
    O seu costumeiro,
    LG

    P.S. Quanto à força de King e Rysanek, esta é indiscutível! Mas... haverá melhor??... :-)

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  4. Deste dueto, das páginas mais belas no mundo da ópera, onde cascatas de música se sucedem a mais cascatas de música, existe a interpretação perfeita: Bruno Walter dirigindo Lauritz Melchior e Lotte Lehmann. Como já uma vez o João referiu "qualquer bom chefe de família" deve possuía-la. O par King/Rysanek é fabuloso, mas não é superior ao King/Crespin, Suthaus/Rysanek ou Svnholm/Flagstad.

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  5. Caro Raul, como cachimbo da paz, lá vai o meu comentário ao seu post:
    Quanto à versão Walter: Lauritz e E. List estão superlativos, Lehmann convence-me menos (vocalidade um bocado datada, para mim…).
    Knappertsbusch: Svanholm/ Flagstad autênticos deuses, é certo, mas já muito maduros… em demasia.
    Furtwangler dá espaço a Rysanek para esta começar a moldar, para o resto da sua carreira, uma das suas maiores criações em palco: a nossa tão sentida Sieglinde; mas Suthaus não lhe comunica muito além da sua voz possante de verdadeiro deutsche heldentenor (que hoje nós tanto choramos para as ter… e não temos! :´-( ). Boa escolha de Herr Doktor Furt em ter seleccionado Suthaus (também para o Tristan52 EMI), sim senhor…
    Infelizmente não possuo na íntegra a sagrada versão Solti, mas já ouvi extractos do seu Iº acto e concordo plenamente consigo ao colocá-la lá bem no alto: é uma vocalidade mais próxima de mim e dos meus gostos e adjectivar Crespin e King cai na redundância.
    Quanto a Bohm, é Rysanek que pega fogo a King e o resultado é o que já se sabe.
    E é aqui que eu toco: na teatralidade. Se os outros pretéritos (wink para o nosso Dissoluto :-) ) vocalmente são perfeitos, dramático-teatralmente deixam muito a desejar. King, Rysanek e Crespin aproximam-se mais da nossa concepção Ópera-teatro, por isso levam a minha palma.
    Nos tempos de hoje já não há esse equilíbrio: o teatro agora impõe-se à vocalidade e não quer saber desta para nada… e os resultados infelizes estão à vista: ontem vi no canal mezzo extractos da Valquíria Ring/Stuttgart –
    Appalling! Awful, real awful: Wotan monolítico de Rootering que acende televisões quando chega ao rochedo das Valquírias (!!!!), A. Denoke uma Sieglinde com voz (fraca!) de Mimi, R. Gambill sem topo de tessitura, uma Walkure R. Behle que nem comento…
    Já nem a veracidade dramática/teatral dos Walsung Twins encarnada (quase!) na perfeição por Chéreau/Altmeyer e Hofmann Centennial Ring/Bayreuth 76-80 importa!! É passadista e fora de moda!!! Onde nós chegamos, meu Deus!!!...
    E é exactamente nesta versão televisionada Ring/Chéreau que se nos oferece o mais ardente testemunho do amor Sieglinde/Siegmund. Aqui a força teatral é, na realidade, brutal!!!! -como está agora na moda dizer!!... :-)- e é aqui que eu vejo o amor carnal, das almas de Sieglinde e Siegmund e esqueço-me da “porcaria” do incesto …que, continuo a dizer, preciso de esclarecimentos sobre esta matéria em Wagner, Sieglinde, Siegmund…
    Meu Deus… isto vai longo… e as divagações Siegmund/Sieglindescas são tantas, que daqui a pouco já não apanho a padaria aberta pra comprar pão pó jantar - eu sei que estou a escrever mal, depressa e em linguagem mobile phone… ;-)
    It´s a pleasure, always.
    See Ya all.
    Mr. LG

    P.S.voltem Jeannine Altmeyer e Peter Hofmann, estão perdoados!!... snif... :´-( :-D :-D

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