(The Wrestler, cartaz publicitário)
The Wrestler é um filme sobre a decadência e destrutividade (auto-dirigida), protagonizado por um dos ícones da decadência.
Mais interessante do que o óbvio paralelo Randy (Rourke) – Cassidy (Tomei) é a incontornável fusão da criatura (o wrestler) com o seu criador-intérprete, ossia Mickey Rourke.
Em linguagem psicanalítica, Randy é um borderline. Senhor de uma identidade perturbada e pouco estável – ora wrestler, ora talhante, ora activo, ora retirado, ora presente, ora ausente (como pai, nomeadamente) -, Randy evidencia uma notória dificuldade no estabelecimento de vínculos afectivos (como pai... como amante...), sendo o seu estilo relacional marcado pela ruptura e corte. Curiosamente, a sua maior fragilidade é o coração... Outra coisa não seria de esperar.
O desenlace trágico do triste percurso de Randy é, inevitavelmente, a morte. Aliás, a ansiedade de perda – tão característica da patologia borderline -, embora pouco consciencializada, constitui o motor da derradeira fase da vida do protagonista. A dita ansiedade de perda manifesta-se de modo insidioso, na conduta auto-destrutiva. Rudy e o espectador, numa imensamente triste cumplicidade, sabem que o retorno ao ring culminará na morte do protagonista.
O wrestler opta por um suicídio camuflado, dirigindo o ódio e destrutividade contra si próprio. Se acaso fosse esquizofrénico, em contexto de delírio, concentraria o dito ódio na figura de um objecto externo, por via da identificação projectiva, dele fazendo um perseguidor.
Interessante, ainda, é observar a fragilidade do narcisismo de Randy, que investe em vão na couraça, doentia e obsessivamente.
Mickey Rourke, para mim, nunca atingiu o estatuto de grande actor. Triunfou pela irreverência (ou desvio, psicanaliticamente falando) e – há que reconhecê-lo – pela beleza, que neste escriba sempre desencadeou uma incomensurável inveja.
Evidentemente, os percursos de Randy e Rourke são semelhantes. Também Rourke entrou em rota de colisão consigo próprio, autodestruindo-se, paulatinamente. O resultado está à vista de todos: um frangalho no lugar do pretérito Adónis.
Devo confessar ter tido uma manifesta dificuldade em separar Randy de Rourke, enquanto assistia ao filme. O desempenho do actor é notável, embora seja mais auto-biográfico do que interpretativo, arrisco considerar.
O que senti? Uma enorme vontade de chorar e uma dor dilacerante. Não me recordo de um retrato da decadência tão horrendo.
Moral da história: onde Penn é uma bicha genial, Rourke triunfa na expressão da mais negra das dores da alma.
Venha o diabo e escolha!
ainda nao vi este filme, mas nao me surpreende que o filme esteja bem feito e a historia bem captada. gosto do realizador e de dois filmes que ele ja fez. Requiem for a dream e The Fountain.
ResponderEliminarCaro Dissoluto:
ResponderEliminarEu não chorei de raiva, eu exaltei…
Já não era sem tempo de se comentar neste nosso caro Blog o magnífico “the wrestler”.
Mr. Rourke nunca foi dos meus actores preferidos exactamente por ter tido aquele percurso que você já tão bem delineou. “nove semanas e meia” (1986) nunca foi filme que me encantou como ao resto da minha geração, nem tinha em alta conta mr. Rourke… mas veio este “the wrestler” e senti-me muito emocionado e exaltado.
Não acho que seja só uma interpretação auto-biográfica; senão, nem ligava mais nada ao mundo do cinema, estava-se borrifando e continuava no álcool e nas drogas… o seu actual rosto assim o denuncia…
E eis que Mickey Rourke torna-se num símbolo de resistência, revelou-se lutador (exactamente, wrestler) e renasce das cinzas, como o foi e muito bem homenageado na cerimónia dos oscars.
Somos nós que ali estamos naquele filme (cada um à sua maneira…) envelhecendo e decaindo aos poucos e poucos neste super- hiper- stressante world em que vivemos, onde já não há espaço para o sonho
(não era bom que o nosso país desse um bom orçamento ao S. Carlos e a nossa cara Mattila e outros de igual qualidade amiúde cantassem em Lisboa?... ora confesse lá Dissoluto, hã??... ;-)) )
e para o próprio Rourke ser de novo facho dos eighties e o Adónis que sempre pretendeu ser; somos todos nós aqueles wrestlers solitários e abandonados nas sessões de autógrafos de uma glória passada … o retrato não podia ser mais pungente e por isso mesmo é um tiro certeiro à nossa vida, sensibilidade, cérebro, coração… whatever…
“Também Rourke entrou em rota de colisão consigo próprio, autodestruindo-se, paulatinamente. O resultado está à vista de todos: um frangalho no lugar do pretérito Adónis.” Citando-o, Dissoluto. E nós??... Já se olhou ao espelho?... e lembra-se de quando tinha 20 anos? E no que a vida nos tornou?... também não nos auto-destruímos como rourke/randy the ram, cada dia que passa e cada um à sua maneira? O que é feito daquele rosto de 20 anos sem sofrimento, sem a experiência dura da vida? Já pensou onde esses nossos rostos estão agora…?
Suzanne Vega – “Solitude Stands by the window…”
Ladies and gentlemen, hands down for mr. rourke!!!... e também para mr. Darren Aronofsky , o realizador, que herda o testemunho de John Ford “as vinhas da ira” (1941), ele e tantos outros e bons, que nos retratam a nós e à América far, far away from the most advertised american dream…
Tal como o brilhantíssimo Danny Boyle em “Slumdog Millionaire” herda o classicismo de David Lean (“Passagem para a Índia” -1984), Aronofsky herda Ford.
Para mim Mr. Rourke teria levado, sem dúvida alguma o oscar ( once again: hands down, mr. rourke!), muito mais que Sean Penn, que já tinha um na bagagem… não sei se um dos maiores (e mais camuflados) lobbies gay do mundo, exactamente o de Hollywood, teve uma pequenina mão nisso…!!???
Tal como a brilhantíssima Marisa Tomei neste mesmo “the wrestler” também ela renascida das sombras, onde a sua nudez e sexualidade ousada têm um propósito, um fim a que ela bem emprega cores realistas… neste caso o de semi-prostituta. Bem longe de outras semi-prostitutas pseudo-social lites que abundam este mundo… e que merecem bem menos respeito do que a personagem criada por M. Tomei…
Ela ou Viola Davis (“Doubt”- Dúvida, outra interpretação superlativa) teriam merecido, para mim, muito mais a estatueta de Melhor Actriz Secundária do que certas senhoras que subiram no mundo do cinema pela horizontal e que fazem tão bem o papel de histéricas espanholas… e publicidades a champôs miraculosos!!!!... another time, matter and place to discuss…
Já chega, LG! Meu Deus, tanto latim práqui! Graças a Deus já fui hoje à padaria… :-D :-D … e já tenho pão para o jantar, que já é a seguir… :-D
;-D
Dissoluto, a seguir o meu já tão pedido “The Reader – O Leitor”… Está bem?
O seu habitual e costumeiro, caro… LG!
Daniel,
ResponderEliminarVi o Requiem for a dream em Paris, quando lá vivia. Figura entre os mais perturbadores filmes a que assisti. Não consigo repetir o feito - revê-lo...
LG,
ResponderEliminarCurto e grosso, aqui vai: quando me olho, agora, ADORO-ME! Comparado com a JGA de 20 anos... o de agora GANHA AOS PONTOS! Sem pudor afirmo que antes era um patinho feio e agora sou um cisne!!!
Desde os 20 anos, muito mudou: por fora - graças a uma delicada operação - e por dentro - à conta de duas loooooooongas psicanálises.
Um dia verá fotos minhas dos vinte e 38 anos ;-D
The Reader... uma verdadeira pérola!
João, sem duvida, o The Reader comoveu-me bastante, não o posso negar, muito mais que bonitas historias de amor indianas. a frase " o que teria feito no meu lugar?" dito com toda a naturalidade e sinceridade marcou-me bastante. um excelente filme e uma merecida recompensa. ainda assim, creio que o oscar deveria ter sido por Revolutionary Road.em todo o caso, ela merecia-o.
ResponderEliminarCaro Dissoluto:
ResponderEliminarVocê sabe o que eu queria dizer… nunca terei a pretensão de o atacar, obviamente. De lhe causar algum dano pessoal e de causar polémica espalhafatosa num Blog que lhe pertence por direito e que é o seu distinto proprietário.
Sabe perfeitamente que eu fazia uma reflexão geral… e até, confesso, um bocado individual… é óbvio, não preciso de estar aqui a fazer de conta e a encetar armadilhas com uma pessoa como você que é especialista em psicologia clínica…
Claro que me cuido muito mais fisicamente agora do que com os meus 20 anos… fisicamente e “vestiariamente”… ;-D
Nesse aspecto estou exactamente igual a você.
O que eu tenho inveja dos meus 20s nos eighties é de uma certa saúde, que já não tenho, do cabelo que tinha antes e que agora já não existe… :-D :-D ;-D
… e claro, do rodriguinho sagrado: “Ai, quem me dera ter outra vez 20 anos…
(quem se lembra da grande Cidália Moreira?)
… e ter a cabeça que tenho hoje”.
Atenção: tenho de alterar a data para a récita que vou assistir da “Salomé”. Depois comunico-lhe, ou diga-me alguma coisa. Tá?
O seu costumeiro,
LG…
Que tem que postar na Butterfly da Gheorghiu aqui em cima. :-)
Este filme ainda não vi, mas já tenho o dvd " a la china". De todos da presente temporada vi muitos filmes bons (A Troca, Dúvida, O leitor) e um que gostei assim-assim (O Estranho caso de ...). Mas aquele de que eu gostei mais foi o Casamento de Raquel ( **** )
ResponderEliminarRaul, O Casamento de Raquel é a minha grande falha! é o único sobre o qual nao posso mesmo dizer nada, mas espero resolve-la depressa
ResponderEliminarIndependentemente da lúcida análise que o João faz, o mundo "wrestleriano" foi-me insuportável de ver e, por isso, não gostei nada deste filme. Um actor é bom quando se despe das suas roupagens e incarna outra personalidade ou então quando o carisma é muito. Vamos ver outro filme de M.Rourke e avaliar. Lembro-me tão bem de Ano do Dragão e gostei tanto!
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