sábado, 27 de dezembro de 2008

Férias V - A Poesia Wagneriana


(Tristan und Isolde, Virgin Classics 51931599)

Este longo e belo poema tem quatro autores: Meier, Salminen, Chéreau e Barenboim, o poeta supremo.

A presente produção milanesa fez correr tinta e mais tinta, por ocasião da sua estreia – a mítica noite de 7 de Dezembro de 2007, data da abertura da temporada do Teatro alla Scala.

Chéreau concebeu um Tristan und Isolde de uma beleza e eficácia cénicas indesmentíveis. O encenador multiplicou-se em (estéreis?!) entrevistas e declarações, onde explicitou as fontes da sua concepção: da psicanálise freudiana (?) ao misticismo supremo, passando pela obra de Bergman (?), etc., etc.

Pessoalmente, o deslumbramento da proposta cénica de Patrice Chéreau passa, eminentemente, por um enquadramento cénico escorreito, imenso e monocromático – um dégradé cinza -, figurinos simplistas, com pouca variação cromática (preto, cinza e azul-escuro), tudo isto num ambiente marcado pela inexorabilidade de um destino que se antevê trágico, desde o primeiro instante.

Dir-se-ia que toda a proposta de Chéreau segue uma linha absolutamente coerente, fiel à concepção de Wagner, com algumas liberdades – o escarlate de Isolda (a única personagem capaz de assumir um tom estranho à escuridão ditatorial reinante), que contém a marca do erotismo e volúpia (acto I) e da morte (acto III), o gesto suicida de Tristão, que investe voluntariamente contra a lança de Melot, a intemporalidade da trama, por exemplo.

Waltraud Meier cria uma Isolda absoluta, de antologia, marcada pela humilhação e despojamento, que aspira ao amor supremo, entregando-se a ele sem temor algum. O timbre é o de sempre, colorido pelo bronze. Aqui e ali há sinais de fadiga e desgaste vocais, a par de uma invulgar mestria – contorna os obscenos agudos da narrativa com grande habilidade. 
Meier é Isolda e esta – se existisse -, também se chamaria Waltraud. Barenboim sabe-o, desde há décadas – nos anos 1980, em Bayreuth, propôs-lhe o papel de Isolda, tendo a intérprete recusado.

O Tristão de Storey, compreensivelmente, enferma de certa banalidade: tratou-se da sua estreia no papel. Se a voz não o trai, a interpretação… De Young segue-lhe o trilho, desenhando uma Brangäne excessivamente dócil e inespecífica. Ladeiam-nos o magistral Rei Marke, de Salminen, de voz e figura soberanas, e o ousado Kurwenal, de Grochowski.

Por fim, uma interminável vénia diante do grande e inquestionável herói da noite, Daniel Barenboim.

Barenboim é o mais experiente maestro wagneriano das últimas décadas. Já gravou e interpretou inúmeras vezes a grande maioria da lírica de Wagner, incluindo um Der Ring. Só Tristan und Isolde perpetuou vários, três em dvd.

O maestro revela um controlo absoluto sobre a sumptuosa orquestra, evidenciando um conhecimento profundíssimo da partitura. A sua leitura, plena de maturidade, é absolutamente poética, de uma fluidez, elegância e consistência líricas assombrosas. 
Sem mácula, sem deslize algum, sem excessos…

Desde Kleiber, jamais uma leitura orquestral de Tristan und Isolde ecoou em mim com tamanha intensidade, fascínio e respeito!

Por Barenboim, Meier, Chéreau e Salminen, sem hesitações. Quanto ao resto…

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(4/5)

10 comentários:

  1. Caro João,

    relativamente aos outros registos DVD com a Isolda da Meier, qual o seu veredicto?

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  2. Hugo,

    Entre este e o de Bayreuth, com Jerusalem... Venha o diabo e escolha!
    O dito de Byreuth tem uma Isolda mais fresca vocalmente, mas a presente é uma verdadeira soberana!

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  3. Nesse caso, em termos de conjunto, qual o melhor registo DVD com a Isolda da Waltraud Meier? Tenho o de Bayreuth com Jerusalem e é maravilhoso. Outro que me chamou a atenção foi o da Nina Stemme de Glyndebourne.

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  4. ... devido ao tempo com que já domina o papel nos palcos...
    Uma personagem cénica e vocal que É O ABSOLUTO!!... continua a estar nas mãos das DEUSAS FLAGSTAD, TRAUBEL, VARNAY, MODL e NILSSON!!! Alguém já se esqueceu de G. Jones e de H. Behrens???...
    Ás vezes os nossos melómanos recentes esquecem-se de um passado bem recente e reveem-se num presente muito pobre vocalmente com a Isolde da Meier no topo... e esquecem-se que a Meier já não é aquilo que era (Pronto, já disse!!...). Veja-se exactamente a sua Isolde para Muller/Barenboim Bayreuth95 DVD DG quando ela ERA a Meier que todos esperávamos ver numa nova Isolde...
    Agora domina o papel devido mais à sua experiência cénica do que à sua prestação vocal - veja-se então agora o DVD Virgin Tristan alla Scala Dez07. O tempo (vocalmente!!...) não perdoa!
    Ansioso estou por ver VIOLETA URMANA pegar no papel e fazer dele SEU!!... como a Meier o fez, o que, diga-se de passagem, deve causar à presente senhora umas certas dores de cabeça (...Voi, signora,rivali alquante avete - Zingarelle La traviata 3ºActo).
    Vi na Tv a Urmana na famosa versão de concerto do 2ºActo em Lucerna para Abbado. Obviamente ainda está muito verde, mas com o tempo... assim o espero! ...como anteriormente a Sra. Meier...!
    Ah, la fede!...

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  5. Hogo,

    A melhor Isolda em dvd é a da Stemme, à semelhança do que aqui disse - http://operaedemaisinteresses.blogspot.com/2008/08/richard-und-nina.html. Quanto à melhor Isolda da Meier,,, tudo leva a crêr ser a de Bayreuth, com o Tristan de Jerusalem.

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  6. Caro LG,

    Se quer uma Isolda imensa, actual e à altura das citadas divas do passado, experimente a Stemme (http://operaedemaisinteresses.blogspot.com/2008/08/richard-und-nina.html)! Deixe de venerar as pretéritas e menos pretéritas! Há vida além delas! Ninna Stemme é uma Isolda extraordinária, de longe a melhor cenica, visual e vocalmente!
    Try it ;-)))

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  7. Caro LG (II),

    Quanto à Urmana - que conheço como Judite (Barba Azul), Azucena e Kundry -, como Isolda??? Não creio... Veremos, como diz!

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  8. Sim a Meier do Scala é vocalmente, o mais importante, muito limitada na zona aguda. Tal como o caro LG diz, a cantora habita como ninguém a personagem, o que é de espererar de uma alemã, pois pode saborear palavra por palavra. Estamos perante uma grande cantora e versátil. No Youtube estaá um dueto da Cavellaria dela com o Cura, onde ambos estão fabulosos. A voz foi boa, mas nada, nem de longe, que se compare com a Flagstad, a Nilsson, a Varnay, a Modl. É impossível e estão as gravações para confirmarem. Não conheço a versão da Stemme, mas estou pronto a ouví-la e tudo leva a crer que seja muito boa e melhor do que alguma vez foi a Meier.

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  9. Caro Dissoluto Punito.
    Temos que marcar um duelo para lavar a minha honra e a das pretéritas! Escolha as armas!! ... :-D :-D :-D
    Veneremos as pretéritas, porque... até agora muito poucas lhes seguiram o caminho DA LUZ E DO FOGO NO PALCO SCENICO AO DAR CORPO E VOZ à DEUSA ISOLDE!Tantas gravações, e tão BOAS, Meu Deus!! ISOLDES SEMPRE HOUVE E HÁ MUITO POUCAS!!!
    ..e as Sras. Isolde de agora deviam-no depois das GLORIOSAS PRETÉRITAS o terem apontado !
    As que coloco como seguidoras desse caminho considero G.Jones, de que há uma Isolde filmada em Berlim com Kollo - DVD TDK (entretanto DELETADO???...), e veja-se no You Tube a própria Nilsson em OSAKA67 ou 68 com Windgassen e Hotter, ou em 73 com Bohm e Vickers nos Chorégies D`Orange... Pergunto-me o que fazem o CLASSIC ARCHIVE EMI ou MEdici Arts que não os restauram... ou não se interessam...como deve de ser!!!???
    Quanto à Stemme já a vi no DVD Tristan Glyndebourne e tenho-a também em CD com Pappano e Domingo: é uma nova Isolde a ter em conta sem dúvida, mas acho-a demasiado estática e sem vida, sem muitos dotes de palco, onde aparece até demasiado marmórea na sua Marechala em Zurique para Welser-Most (DVD EMI). A Stemme, até agora, não me convenceu...a monotonia do cenário Glyndebourne e Gambill como Tristan também não ajudaram nada!!!...
    Também está certo ao recear a Urmana que poucos dotes de palco tem evidenciado...
    Resumindo, melhores Isolde para mim em DVD:Nilsson Chorégies d´Orange73 ( Várias etiquetas menores ou Pirata!!... :-( )G. Jones Deutsche Oper Berlin J. Kout, Kollo, Schwarz, Lloyd (DVD TDK... apanhe-o se puder, e verá o que É UMA ISOLDE COM FOGO EM PALCO! É ISSO O QUE É 1 ISOLDE!!!! ESQUEÇA A DETERIORAÇÃO VOCAL DA JONES!).
    Isolde de concepções cénicas a mais do que a prestação vocal: Johanna Meier - uma outra Meier,canadiana desta vez, só que da concepção Ponelle/Barenboim datada de 1981; e a presente Sra. W. Meier - Muller, Jerusalem, Holle, Priew, Struckmann Bayreuth95 - ambos DVDs DG.
    Concluindo... e se me permitem o derrape vicentino: PLÁCIDO, PLEAASSSEEEEEE!!!!! TENTA O TRISTÃO EM PALCO, CA GENTE ATÉ T´ AJUDA, NÉ PESSOAL??? TU GRAVASTE-O TÃ BEEM ( à alentejano) PRÓ PAPPANO!!...
    ENDE
    P.S. : Acho que vai haver porrada ( Humourous Touch) entre mim e o Sr. Dissoluto Punito!!... :-D ;-D

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  10. Peço imensas desculpas de estar a postar aqui de novo e a chover no molhado, mas tenho ainda que acrescentar o seguinte:
    Este espectáculo teria merecido nota 5, teria estado a par dos espectáculos/encenações miraculosas anos 50,60,70,80,90... teria estado à altura das lendas Alla Scala, SE:
    Boulez tivesse substituído Barenboim, Fujimura DeYoung, Terfel Grochowski, Pape Salminen, Domingo Storey, Meier Stemme ou Urmana, e... last but not the least... se Chéreau tivesse posto mais alma na sua encenação, como no caso de From the House of the Dead.
    PONTO FINAL, DE UMA VEZ POR TODAS, LG!!

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