Captada ao vivo, em Viena, em Maio de 1978, esta récita de Il Trovatore vale, sobretudo, por duas interpretações, absolutamente estrondosas: Cossotto e Domingo.
A encenação de Von Karajan - datadíssima! - apoia-se num realismo histórico ultra-convencional. Uma vez mais, Herr Von Karajan demonstra os limites criativos, cénicos e conceptuais das suas propostas dramáticas.
Afinal de contas, um palco não é uma batuta...
Na história da lírica – tanto quanto os registos atestam – não houve mezzo verdiano mais dotado que Fiorenza Cossotto! Simionato, Barbieri e Stignani foram imensas, mas em Verdi...
A Azucena deste registo é visceral, como mais nenhuma outra. Corroída pela sede de vingança, bordejando a insanidade, a figura terrífica revela a sua plena afinidade com as trevas. A mímica facial da grande, grande Cossotto é única. A voz é um assombro: rica em corpo e sustentada no aço da malignidade e dor.
De facto, tanto em Amneris como em Azucena, há um antes e um depois de Cossotto...
A outra trave-mestra deste Il Trovatore é o Manrico heróico e viril do extraordinário Domingo. A emissão do tenor - de uma tal robustez e pujança –, à época, já faz antever incursões wagnerianas históricas...
Quanto a Kabaivanska (Leonora), embora cumpra com empenho, peca pela estridência e fragilidade teatral. Mais cantora que actriz, a intérprete revela uma atenção excessivamente concentrada nas armadilhas de Leonora – e todos sabemos que são inúmeras!
Cappuccilli (Conde de Luna) – o melhor barítono verdiano da época -, apesar da linhagem vocal inequívoca, deixa-se escravizar por uma impressionante rigidez e frieza da postura, que em muito comprometem a sua prestação.
A encenação de Von Karajan - datadíssima! - apoia-se num realismo histórico ultra-convencional. Uma vez mais, Herr Von Karajan demonstra os limites criativos, cénicos e conceptuais das suas propostas dramáticas.
Afinal de contas, um palco não é uma batuta...
Na história da lírica – tanto quanto os registos atestam – não houve mezzo verdiano mais dotado que Fiorenza Cossotto! Simionato, Barbieri e Stignani foram imensas, mas em Verdi...
A Azucena deste registo é visceral, como mais nenhuma outra. Corroída pela sede de vingança, bordejando a insanidade, a figura terrífica revela a sua plena afinidade com as trevas. A mímica facial da grande, grande Cossotto é única. A voz é um assombro: rica em corpo e sustentada no aço da malignidade e dor.
De facto, tanto em Amneris como em Azucena, há um antes e um depois de Cossotto...
A outra trave-mestra deste Il Trovatore é o Manrico heróico e viril do extraordinário Domingo. A emissão do tenor - de uma tal robustez e pujança –, à época, já faz antever incursões wagnerianas históricas...
Quanto a Kabaivanska (Leonora), embora cumpra com empenho, peca pela estridência e fragilidade teatral. Mais cantora que actriz, a intérprete revela uma atenção excessivamente concentrada nas armadilhas de Leonora – e todos sabemos que são inúmeras!
Cappuccilli (Conde de Luna) – o melhor barítono verdiano da época -, apesar da linhagem vocal inequívoca, deixa-se escravizar por uma impressionante rigidez e frieza da postura, que em muito comprometem a sua prestação.
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(3,5/5)
Tive a sorte de ver e ouvir a Cossoto neste papel em S. Carlos em 1981. Depois da ária da cigana, o teatro veio abaixo e ouvi, então, alguém criticar os aplausos por exagerados. "A senhora não tinha cantado assim tão bem" na opinião do crítico. Então, como agora, despreza-se muito do que cá se faz e ouve. Tendo em conta a porcaria que já ouvi lá fora, para grande gáudio das plateias, admiro-me com o rigor dos nossos "críticos" de cá. O pior Beethoven que já ouvi foi no Royal Albert Hall. Acabo de chegar de S. Carlos após uma belíssima récita e uma grande encenação do Siegfried. A produção é nacional e por isso despreza-se...
ResponderEliminarXico
Totalmente de acordo. Só queria acrescentar uma coisa. Adoro a Cossoto, mas a Stignani em Verdi não é nem um milímetro inferior à Cossoto. Para mim são as duas verdianas do século. Aliás as duas vozes, embora de timbres diferentes, são do mesmo tipo. Em 1971, três anos antes da sua morte, a Itália homenageou a Amneris da Stignani e o troféu foi entregue pela Cossoto.
ResponderEliminarO comentário foi meu.
ResponderEliminarDas gravações existentes em DVD é a melhor em termos vocais. O mesmo pode se dizer da leitura de Karajan. A encenação é inexistente. concordo com o destaque dado a Cossoto e Domingo. Piero, c~enicamente, deixa muito a desejar.
ResponderEliminarTambém tive oportunidade de ver a Cossotto neste papel em S.Carlos.
ResponderEliminarE recordo, com muita saudade.
Porque depois dela....
Concorda com a análise do nosso Dissoluto, embora dê mais crédito à Leonora da Kabaivanska que igualmente considero uma grande actriz. A Cossotto, que é seguramente a minha Amneris e Azucena, cantou este último papel por diversas vezes no São Carlos.
ResponderEliminar1973 - Giuseppe Giacomini, Liljana Molnar-Talajic, Piero Cappuccilli, Ivo Vinco.
1978 - Vincenzo Bello, Mara Zampieri, Piero Cappuccilli, Ivo Vinco.
1981 - Bruno Rufo, Adelaide Negri, Matteo Manuguerra, Ivo Vinco. (disponível em cd)
1991 - Wilhelmenia Fernandez, Robert MacFarland, ???
José, uma mais uma pequena ajuda?
E por cá ninguém teve mérito nos papéis em apreço. Sou de uma nova geração de apreciadores de ópera ou antes, de quem se quer cultivar e que cantores portugueses merecem referência?
ResponderEliminarCordialmente
Concordo inteiramente com o João. Também não gosto muito da Kabaivanska. Pareçe-me uma cantora bastante limitada que na récita em questão é meramente adequada. O timbre é bastante árido, os agudos são dificeis e a coloratura é no minimo muito pessoal.
ResponderEliminarJ. Ildefonso
Caro João, a Kabaivanska realmente não está na sua melhor forma neste registo. O vibrato pode não ser para todos os gostos. No entanto, não deixa de ser uma grande intérprete. Recorde-se a Tosca, por exemplo. É evidente que, à medida que os anos foram avançando, o metal da sua voz tornou-se cada vez mais pronunciado. No entanto, não deixo aqui de referir alguns dos seus registos dos anos 60 como a Desdemona ou a Leonora da Força do Destino.
ResponderEliminarCaro Hugo
ResponderEliminarWilhelmenia Fernandez (Leonora), Robert McFarland (Luna), Stefano Algieri (Manrico),Carlo de Bortoli (Ferrando), Rita Paiva Raposo (Inês) e A.Silva (Ruiz).
E claro, Cossotto.
Um abraço
O comentário sobre a Stignani, para mim a maior Amneris do século, foi meu.
ResponderEliminarEu vi a Cossoto nas récitas de 1973, no Coliseu, e 1978, no Coliseu e no São Carlos. Em 1981 tinha bilhetes para o Coliseu, mas uma greve dos músicos impediu o espectáculo.
Em 1973 no fim do Stride la vampa, porque a música é pouca e é a intervenção inicial para o mezzo, os aplausos foram escassos. No fim do Condotta ella era in ceppi, o Coliseu explodiu num dos maiores aplausos a que assisti na minha vida.
Hugo, o tenor de 1978 era o francês Gilbert Py e não Vicenzo Bello.
O primeiro comentário deste poster refere que alguém entre o público afirmou que tinha havido exagero nos aplausos à Cossoto em 1981.
É um facto que a grande Cossoto se retirou um pouco tarde de mais, ao contrário da Simionato, e o principal problema que começou a ter foi o dos agudos serem um pouco gritados, já um pouco visível neste Dvd de Salzburgo. O João não está de acordo?
Caro Hugo.
ResponderEliminarA Kabaivanska, conforme referiu, não é para todos os gostos. Pareceu-me sempre uma artista doutra época mesmo quando era nova. O seu modelo pareçe ser a Magda Olivero, que tem o fascineo de ser o original, enquando a Kabaivanska será um "clone". Tem validade mas não é muito individual.
Existe no youtube um video da Cossoto a cantar a Amneris em concerto no Japão datado do ano passado. Os graves estão lá.... os agudos são um susto. A vaidade impede muitos cantores de se retirarem atempadamente...
J. Ildefonso.
Raul, com a ajuda preciosa do José temos que o Gilbert Py cantou, de facto, no São Carlos ao lado da Cossotto. Contudo, a ópera era a Aida e não o Trovador. O ano era 1976 (18, 22 e 25 de Janeiro) e o elenco incluía ainda Gilda Cruz-Romo (Aida), Ivo Vinco (Ramfis), Benito di Bella (Amonasro), Carlos Fonseca (o Rei) e Elizette Bayan (Sacerdotiza).
ResponderEliminarRelativamente à voz da Cossotto, a partir de meados dos anos 70, a região aguda começou a revelar alguma inconsistência, aquilo que os anglo-saxónicos apelidam de "flat". A problema foi, no entanto, temporariamente debelado a partir de inícios dos anos 80. Naturalmente que, com o avançar dessa década, os problemas voltaram a surgir e uma forma mais pronunciada. Por outro lado, nem sempre tal acontecia. Na récita da Aida no MET com a Leontyne Price (1985), o dueto com o Radames e a cena do Julgamento que não são nada meigas para o meio-soprano, mostram uma intérprete em pleno domínio das suas faculdades vocais. Naturalmente, que a Cossotto já não era nova e nota-se que procura defender-se o melhor possível.
Não haverá alguém entendido que possa fazer o favor de responder ao Mário Reis?. Eu também tenho curiosidade em saber quais são presentemente, os cantores portugueses de bom nível! Obrigada!
ResponderEliminarCantores portugueses de bom nível...
ResponderEliminarMelhor que citar nomes (poucos, seguramente) será definir "nível".
À escala nacional ou internacional?
É que esta destrinça é fundamental.
Mesmo sem a fazer, há que pensar...voltar a pensar...
Elisabete Matos.
José Fardilha.
Elsa Saque.
Ana Ferraz.
Teresa Cardoso de Meneses.
Peço desculpa se omiti alguém.
Mas foram estes os nomes de que me lembrei.
Raul,
ResponderEliminarQuanto aos agudos gritados da Cossotto... francamente, não me dei conta! A interpretação é de tal modo...
Para responder à questão dos cantores líricos portugueses, além da Elisabete Matos e da Dora Rodrigues... e do Fardilha, não me ocorre mais nada...
José,
ResponderEliminarConcordamos em muito, mas a Elsa Saque já se retirou (espero!) e a Teresa C M é muito medianita... A Ana Ferraz, de acordo! Já agora, a Ana Paula Russo ainda deve estar em forma, não?
Caro João, publique este comentário apenas se achar por bem fazê-lo, pois não tem nada a ver com o tópico.
ResponderEliminarOlá a todos!
Queria apenas dizer que tenho disponível para vender, a quem estiver interessado, um bilhete para a ópera Norma de V. Bellini em versão de concerto, que irá decorrer no dia 31 de Janeiro de 2009 no grande auditório da Fundação Calouste Gulbenkian. O elenco e restante informação poderão ser consultados em www.musica.gulbenkian.pt na secção Temporada 2008/2009 no Ciclo Orquestra Gulbenkian.
O motivo pelo qual estou a vender o bilhete é o de não estar disponível nesse dia por me encontrar a cantar cá por cima. Foi comprado logo no início da venda da temporada e a récita que tenho que cantar foi marcada posteriormente e logicamente vou fazê-la.
Os lugares são muito bons. Ao centro duma das filas centrais da primeira plateia (nem demasiado perto nem muito longe).
Para qualquer informação, passem no meu blog e deixem um comentário no post sobre isto (os comentários são moderados, por isso não ficarão públicos).
Cumprimentos a todos,
Ricardo
Já que se referiu Elsa Saque, por que não falar na sua irmã, Zuleica.
ResponderEliminarCaro Hugo ,
ResponderEliminarEssa récita da Aida que refere eu vi-a em São Carlos e era com o Gilbert Py. Mas a récita do São Carlos do Trovador, que eu também vi, era também com o Gilbert Py e não com o Vincenzo Bello.
Quanto ao que afirma da récita da Aida com a Price de 1985 e que está disponível no Youtube eu já a ouvi e na verdade o problema que nós referimos não está presente.
Outra coisa: a Zuleika Saque, que eu vi muitas vezes, penso que provavelmente já não deve cantar, pois terá de certeza mais de sessenta anos, pois eu vi-a cantar a primeira vez na Kate Pinkerton em 1964, na primeira vez que fui à ópera.
Relativamente a cantores portugueses de nível internacional, tenho a acrescentar uma das jovens cantoras do São Carlos, a soprano Carla Caramujo que foi second cast da Gilda no Rigoletto, apesar de colocar a colega a um canto e que tem feito uma carreira invejável pelo Reino Unido (recital no Wigmore incluído).
ResponderEliminarTemos também o baixo João Fernandes, que tem feito uma carreira assinalável em repertório barroco (tendo gravado inúmeras coisas com o William Christie) e que vai estrear-se proximamente no Scala. Foi também convidado pela grande Elena Obrastsova a realizar um recital em Moscovo.
Ambos são grandes valores e excelentes cantores made in Norte ;)
Eu vi o João Fernandes, justamente com o Christie, na Gulbenkian, há cerca de 5 anos! Memorável ;-)))
ResponderEliminarPessoalmente simpatizo muito com o Mário João Alves. Sempre que o ouvi achei muito gratificante. A voz é bonita e saudável. A primeira vez que o vi foi como o marinheiro nos Troianos e foi uma revelação. Não sei se poderá fazer papeis titulares mas estava muito bem de Borsa no Rigoletto.
ResponderEliminarJ. Ildefonso.
Existe também uma Joana Seara, aparentemente radicda em Londres, que eu acho que nunca ouvi, que apareçe frequentemente referenciada na OperaMagazine de forma muito elogiosa.
ResponderEliminarJ. Ildefonso.
Em compensação, o último concerto do Christie & Jardin des Voix a que assisti na Gulbenkian deixou bastante a desejar... Uma primeira parte com Monteverdi vocalmente "apontado"... "Devem estar a guardar-se para a segunda parte", pensei eu. Na 2ª parte, com Handel, o nível não subiu muito. Tudo muito certinho, estilisticamente correcto, ok! Mas arrojo vocal nulo. Um concerto que nem aqueceu nem arrefeceu e no qual cheguei, inclusivé, a pensar nas coisas que tinha para fazer no dia seguinte...
ResponderEliminarMuitos dos nomes, da "nova vaga" lusitana já eu pude testemunhar o mérito. Mas serão tão poucos assim? Sempre ouvi falar na irmã da D.Elsa Saque, Zuleica que se dedicou depois às lides matrimoniais e abandonou uma carreira promissora.
ResponderEliminarO que amiúde acontece é que sempre tomo conhecimento de casos idênticos e são mais que muitos, abandono de carreira e por falta de apoio a grande maioria das vezes. Um afastamento "compulsivo" dizem. A D.Elisabete Matos é a nossa figura emblemática e Jorge Vaz de Carvalho? O Fardilha não pisa muio por cá, é pena.
O que acham do que se ouve dizer acerca dos coralistas mereciam a "titularidade" por mérito.
Muito obrigado pelas "sugestões" e se possível pedia ainda mais nomes.
Queria agradecer por tudo o que aqui tem sido postado. Com uma leitura que tinha feito, transversal, já me agradara, mas lendo com maior atenção, fiquei muito agradado. Vejo que aqui fala quem sabe e para mim isso é requesito essencial pois para mim que estive afastado de Portugal muitos anos interessam-me fontes fidedignas. Peço desculpa pelos erros de síntase mas é falta hábito e que penso sanar.
ResponderEliminarEsqueci-me de mencionar a cantora Ana Paula Russo que me lembro de ter visto muitas vezes em S.Carlos e que augurava ser uma intérprete Mozartiana e por ironi do destino viria a ser professora de canto de uma familiar minha.
Gosto muito da Ana Ester. A última coisa que vi dela foi a Butterfly. A Matos vi-a em S. Carlos, na Tosca e quanto a mim a voz não é suficientemente rubby para o papel. Ela é dotada de um brilho particular no registo médio, mas falta densidade no registo agudo. Falavam da parte estética e realmente para mim é uma mais valia quer nas vozes femininas ou masculinas.
Deixava aqui a sugestão de postarem links do youtube onde possam ilustrar muitos dos vossos posts.
Bom resto de semana.
Cordialmente.
Mário Reis
Nunca gostei muito da Elsa Saque, porque tinha voz de aluna de canto, sem ofensa para os alunos de canto. Pouco madura.
ResponderEliminarUma outra cantora portuguesa razoável era Regina Fonseca. Vinha cá todos os anos fazer os mezzo wagnerianos, inclusive a Bragania, com a Isolda da Birgit Nilsson, na única vez que vi esta imortal cantora.
Actualmente os únicos cantores de nível internacional, no campo da ópera, são a Elisabete Matos e num plano secundário José Fardilhe. Gosto bastante de ambos
Luís Rodrigues e João Tiago entraram neste meio d forma promissora, mas lá está, estagnaram por débito "artístico" deles ou do país?
ResponderEliminarUma pergunta. Pode começar-se uma carreira aos 45 anos, quando a voz não é conhecida mas é extraordinária? Que portas é que se fecham e que portas se podem abrir?
Mário Reis
Aos 45 anos, habitualmente, atingiu-se a plenitude vocal... daí em diante...
ResponderEliminarO comentário do anónimo das 14:21 é meu.
ResponderEliminarMas se não se abusou da voz ela não beneficiou com isso? A técnca está lá. Há diferenças quanto ao tipo de voz em relação ao avançar da idade, nos homens e nas mulheres e perante a tipologia vocal?
ResponderEliminarObrigado pelo esclarecimento.
Mário,
ResponderEliminarAbusando-se ou não, 45 são 45... Claro que a voz, aos 45, ainda terá muito para dar. Em todo o caso, os grandes intérpretes começam cedo a explorar e moldar a voz, para que se atinja a plenitude em redor dos 40-50 anos.
Caro Mário,
ResponderEliminarnormalmente o que acontece com a idade é as vozes femininas ficarem mais escuras. Claro que se houver uma gestão cuidadadosa duma carreira começada aos 20, isso pode ser extraordinário, como no caso da Freni que começou a cantar Susannas e Zerlinas, e acabou como uma Aida de referência (pelo menos para mim)e uma das maiores Manon Lescaut.
Relativamente aos homens, as mudanças tímbricas não serão tão drásticas como nas mulheres pois a andropausa não é hormonalmente tão violenta como a menopausa... há uns tempos a Barbara Bonney teve sérios problemas por causa da menopausa. Isto faz todo o sentido se considerarmos que a laringe é, desde que nascemos, um alvo hormonal por excelência, logo, havendo alterações na produção hormonal do organismo, logicamente que há alterações na voz. Na Alemanha e em muitos país, as cantoras de ópera profissionais têm inclusivé nos seus contratos direito aos chamados "Respect Days" que são dias em que podem exigir ser substituídas devido a sofrerem de alterações vocais devido à menstruação que lhes provoca, invariavelmente, perda de brilho e flexibilidade e algum edema das cordas vocais. Claro que as pílulas podem atenuar este efeito, mas há casos e casos.
Em todo o caso, pessoalmente acho muito improvável que uma pessoa consiga ter uma carreira depois dos 30. Há toda uma rede de contactos que demora tempo a ser construída, e tempo é uma coisa que um cantor com 45 anos não tem por muito "fresca" que esteja a voz. Especialmente nos mercados de hoje em dia que querem top-models cantantes em cima dos palcos. Pode tentar uma carreira como concertista, mas lá está... técnica à parte, na altura em que tiver uma rede de contactos construída, já a voz se está a ir...
No entanto, a regra geral é que os cantores, desde que façam uma boa gestão da carreira, vão ficando com vozes progressivamente mais pesadas ao longo dos anos. A Freni passou de soubrette/lírico-ligeiro a lírico-spinto, o Domingo passou de lírico a dramático, a Callas... bem a Callas é a Callas (no que isso tem de bom e de mau ;) ),
o Cappuccili passou de lírico ao maior Verdiano do seu tempo.
A coisa vai mais ou menos neste sentido. É preciso é cuidado e inteligência na gestão da carreira e claro, boa orientação técnica. E isto são coisas em vias de extinção hoje em dia, infelizmente.
Caro Ricardo, tudo o que expôs faz muito sentido. A voz escurece, perde agilidade e também acho que é tarde para encetar a construcção da rede de contactos. É pena. Mas pelo que entendi, uma voz mais ligeira pode tomar mais corpo. No caso de um soprano ligeiro"ascender" a um spinto, a um dramático isso não é definhar pois não? Escureceu, perdeu agilidade mas ainda assim uma voz.
ResponderEliminarA todos os que se dignaram a esclarecer este inculto mas esforçado leitor, o meu maior obrigado.
Virei amiúde aqui às vossas "récitas".
Uma vez mais o meu agradecimento pelo que deram e me darão.
Caro Mário, a questão é que nenhuma voz nasce completamente dramática. Claro que num ponto de início de estudos em canto, há vozes que são à partidas mais escuras e pesadas do que outras, mas mesmo essas deverão construir uma técnica em repertório puramente lírico. Se calhar não em repertório lírico ligeiro, mas puramente lírico. Por exemplo, uma voz que aos 20 e poucos anos soe a uma promessa de Isolda não vai começar, como é lógico, a "bulir" imediatamente na Isolda, mas uma Condessa das Bodas pode ser um bom ponto de partida. Quem diz uma Isolda, diz um Calaf, um Nabucco ou um Don Filippo.
ResponderEliminarQuis com isto responder à sua questão relativamente ao amadurecimento de vozes mais dramáticas. A meu entender, o trbalho deste género de vozes deverá ser feito no sentido de um relativo aligeiramento inicial do repertório, para dar tempo ao instrumento de crescer. No fundo, o que eu tento pensar para mim e para a gestão do repertório que vou fazendo, é que as coisas têm uma ordem cronológica na história da música por alguma razão e, nesse sentido, respeitar a ordem em que os compositores aparecem pode ser uma excelente forma de construir lenta e seguramente uma carreira. Claro que mesmo dentro disto há excepções, mas reconhecê-las passa pela inteligência de cada um.
Querido Ricardo
ResponderEliminarFinalmente alguém considera a Aida da Freni uma gravação de referência! Normalmente não é muito apreciada mas a mim fascina-me ouvir a Aida com dois timbres tão juvenis como a Freni e o carreras transformada numa especie de Romeu e Julieta no Egipto.
J. Ildefonso.
Caro J. Ildefonso,
ResponderEliminara Aida da Freni com o Carreras e direcção do Karajan (Agnes Baltsa como Amneris, Cappuccilli como Amonasro) é uma gravação de absoluta referência, na minha opinião.
Verdi sempre disse que a Aida foi umas das suas primeiras óperas que ele queria que fossem cantadas de forma bela e não visceral, e, se ouvirmos a música, toda a partitura se presta a isso.
Eu sou um fã incondicional do período de maturidade da Freni quando ela começou a cantar repertório mais pesado. A voz retem a juvialidade mas ganha um "squillo" absolutamente gigantesco.
Já ouviu a Butterfly dela com o Carreras a cantar o Pinkerton e direcção do Sinopoli? É absolutamente arrebatadora e coloca a versão anterior (com Pavarotti e Karajan) a um canto. A voz dela passa sem qualquer dificuldade por cima da orquestração assassina do "Tu, tu piccolo iddio".
Mas voltando à Aida, é verdade! Acho que é suposto que essa ópera soe mesmo a Romeu e Julieta no Egipto, e as vozes podem não ter a escuridão de uma Price ou de um Domingo, mas têm um ardor e um brilho inigualáveis! Foi agora lançada em mid-price pela EMI.
Já agora, estou também a fazer download de uma gravação video da Aida com a Freni e o Domingo (não me lembro do resto do cast), em que a voz dela estava ainda maior do que nesta gravação estúdio. É impressionante! No final do trio do primeiro acto após a primeira aparição da Aida, a Freni abafa completamente os outros dois cantores. É produção vocal de uma qualidade e beleza absolutamente avassaladoras!
Caros João Ildefonso e Ricardo,
ResponderEliminarSe forem ao Youtube encontram uma entrevista da Price em que o entrevistador falando do sucesso da cantora quando cantou a Aida no Scala, a imprensa italiana afirmou que a sua a interpretação era aquela que Verdi sonharia. Quem o diz são os italianos, juízo que "penso" deve ser considerado.
Eu, se me permitem a opinião, não vejo um Romeu e Julieta no Radamés e a Aida. Se a cor da voz é importante, por que entregar à irrequieta Amneris um timbre de mezzo ? Desculpem por me intrometer na vossa "conversa", mas como isto é um blogue...
Ricardo
ResponderEliminarÉ muito estupido e pueril mas estou comovido de ler o que escreve que reflecte exactamente o que penso. Como sou inseguro raramente disse o que escreveu pois não é a opinião corrente.
Creio que se refere a uma Aida da inauguração da nova Ópera de Houston em 1986 com a Freni e o Domingo. Conheço só a aria do 3º acto que é um modelo de canto e expressão.
J. Ildefonso.
Ricardo
ResponderEliminarJá dos anos 90 existe uma gravação ao vivo da Dama de Espadas com a Freni da Ópera de S. Francisco(?) que é avassaladora. Existe também em d.v.d. da Ópera de Viena mas ainda não foi comercializado. Destaco também a Donzela de Orleãns no youtube já do nosso século que eu tive a sorte de ver em Turim.
J. Ildefonso.
Sim, é essa récita em Houston que estou a tirar.
ResponderEliminarRaul, ninguém está a questionar a versão da Price. Eu, apesar de não conhecer muito dela, gosto do pouco que conheço. Só que prefiro a Freni.
Queridos amigos.
ResponderEliminarA Price em muitos aspectos foi talhada para a Aida. Apesar da dicção nebulosa o fraseado é puramente Verdiano e a sensualidade dum timbre tão rico e aveludado presta-se muito ao papel. Prefiro a gravação do Solti com o Vichers onde a condição vocal é melhor. A Aida da Freni é completamente diferente e de alguma forma complementar. Mais juvenil e poética e de alguma forma mais complexa porque o que à Price advem naturalmente da voz e do timbre aveludado e sensual na Freni tem de ser construido atraves da minucia da intensão fraseado e da comunicatividade da personalidade. Gosto das duas. A Price exalta-me mas prefiro a Freni porque é mais vulnerável e me comove mais.
J. Ildefonso.
A nossa melhor cantora de todos os tempos é sem sombra de dúvidas a Zuleika Saque. Que desperdicio para o nosso património cultural não se valorizarem e darem a conhecer artistas desta craveira e aproveitar-se o que ainda nos poderiam proporcionar, nem que fosse ensinando a sua arte internacionalmente reconhecida e os seus valores aos novos talentos do nosso Canto Lirico.
ResponderEliminarA juleika Saque não abandonou o canto, saiu deste País para fazer uma carreira internacional, nosso meio musical era demasiado pequeno para a sua craveira artistica. Os que a ouviram terão dúvidas que é a melhor cantora lirica que tivemos?
ResponderEliminarPorque não se aproveita o que ela ainda nos poderá proporcionar a nivel do ensino ás novas gerações de cantores?
Tive a sorte de ver a ZULEICA SAQUE em Várias Óperas, a qual para alem de ser a nossa melhor cantora lirica deste século, fez uma magnifica carreira internacional contracenando com os maiores nomes do Belcanto.
ResponderEliminarDeviam convidar esta grande senhora do canto para formar uma nossa nova gefração de cantores.