quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Heidi vs Marco: do luto

VS

Nos anos 1970, duas das mais famosas séries infantis de desenhos animados abordavam a questão da perda parental: Heidi e Marco. A primeira colocava a tónica no trabalho de luto / elaboração da perda, enquanto a segundo se centrava no abandonismo, variante patológica - porque perpétua - da dinâmica depressiva.

Por via da primeira, a criança percebia que a perda dos pais não era sinónimo de catástrofe: a figura reparadora do avô permitiu a Heidi crescer e expandir-se.

No caso de Marco – que me fez chorar baba e ranho, a mim e a tantos outros... -, numa linha mais patológica, retratava-se o desamparo (cuja ansiedade encontra resolução, nomeadamente, nas toxicofilias).

Se não me engano, Marco havia sido abandonado pela mãe que, soi-disant, "partira em busca de trabalho, para proporcionar uma melhor vida ao filho."
Creio que o pobre rapazinho almejava chegar à Argentina, onde imaginava que a progenitora se encontrava.

A canção tinha um refrão horrendo, macabro, que jamais esqueci:

Vais-te embora, mamã
Não me deixes aqui (...)”

O problema de Marco – como o de tantos outros filhos de abandónicos – reside, justamente, no desamparo, que constitui o ponto mais patológico da ansiedade de perda.

Idealizam a figura abandonante – "a puta da mãe", no caso de Marco -, negando o ódio que por ela sentem, legitimamente. Ora, este ódio é virado para o próprio, que se deprime, até à exaustão.

A idealização - que comporta uma negação das partes más do objecto parental - é uma doentia estratégia de sobrevivência, que permite ao sujeito manter (e preservar!) uma imagem idílica de uma figura essencialmente odiosa.

Só os "pais de merda" se idealizam e deixam idealizar! Os outros, também se deixam odiar.

Assim florescem as estruturas dependentes – tóxicas e afins – e se mina o narcisismo.

10 comentários:

  1. Caro João,

    Nunca dia exibe-se radiante sob o título "Férias bem passadas", e no dia seguinte escreve um texto destes, de deixar deprimida a mais empedernida das almas. Desejo-lhe um óptimo regresso ao trabalho...

    Abraço,

    Heitor

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  2. Caro Heitor,

    A questão é essa: voltei ao trabalho :(((((

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  3. Então para suavizar lembro-me que logo a seguir ao 25 de Abril apareceu uma capa da Gaiola Aberta com a Heidi em Portugal a mostrar de propósito o rabo, com o Marco fazendo uma cara escandalizada e com o cão a pensar "Que país!". Eu gostava do humor primário do Vilhena.
    Raul

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  4. Olá João!
    Estava eu à procura de informações sobre o "Marco" e vim parar aqui. Só agora percebi o porquê desta série e da outra, da Heidi. Tenho estudado astrologia e precisamente algumas das crianças dessa época têm karma de abandono. Eu sou uma delas. Nada é mesmo por acaso! Pense nisso e talvez encontre respostas para si e para ajudar os seus pacientes.

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  5. Esqueci-me de assinar, chamo-me Carla e tenho 34 anos a caminho dos 35!
    Carla

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  6. E o que fazes na vida, Carla? És psi?

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  7. Sou professora de Matemática, mas o meu maior interesse é a busca da cura, a minha própria e a dos outros. Acho interesante o caminho que tenho percorrido, a forma como o conhecimento se tem vindo a apresentar. Cheguei mesmo a pensar que deveria tirar um curso de psicologia, mas já percebi que não é por aí. Para mim, com todo o respeito aos Psicólogos, esse é um caminho que não vai ao fundo das questões. Na maioria dos casos contarna-as ou só as toca superficialmente, mas esta é apenas a minha simples opinião, posso estar enganada...
    E a tua profissão? Psicólogo?

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  8. Carla,

    Não tens os psicólogos em grande conta! Há dificuldades dificilmente transformáveis, para os psis e outros. Há que reconhecê-lo.
    Sou psicólogos, sim, com formação em psicanálise.

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  9. Desculpa se pareceu isso. Na verdade não é que não os tenha em conta. Só acho que os terapeutas, quaisquer que estejam ligado à cura, deviam por de lado as suas diferenças porque no fundo todos procuram o mesmo, seja por este ou aquele método. Enquanto as pessoas não perceberem que separadas do todo, não podem ajudar tanto assim, como pensam que podem, os resultados dos tratamentos ficam abaixo do que podiam ser. É só isto. O que eu vejo é cada um a defender o seu conhecimento, ou técnica, como sendo melhor que a do outro, quando na verdade não é assim, todos contribuem para a cura. Há apenas que perceber qual o melhor tratamento a utilizar, sem desprimor do outro.
    Não penso mal dos psicólogos, só acho que deviam tentar procurar respostas noutras áreas e não se contentarem apenas com algumas teorias que podem estar incompletas e por isso não dão resposta a muitos casos. É isso!

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