quinta-feira, 3 de maio de 2007

Cho Seung-Hui: a esquizofrenia

A propósito do caso Cho Seung-Hui, passada a passionalidade, inimiga da reflexão, reflito.

Não vi a mais discreta referência - falo da blogosfera - à psicopatologia do rapaz!

Ele é «falhanço do multiculturalismo» (?), ele é «falência da integração» (?), etc.
No essencial, as explicações de pendor sociológico que li, em nada me satisfizeram.



Não pretendendo ser visionário - dado que sou psi, com muita honra! -, do meu ponto de vista, a explicação é simples: tratou-se de um surto psicótico, provavelmente revelador de uma entrada na esquizofrenia.

A entrada na psicose esquizofrénica faz-se, regra geral, no final da adolescência, início da vida adulta. O seu prelúdio é, habitualmente, um surto psicótico - o "ataque de loucura", na vulgata.

Pelo muito pouco que li, os indícios desta perturbação há muito que se faziam ver: retraimento relacional acentuado / isolamento, frieza afectiva, etc.

En passant, das fugazes imagens que visionei, sobressai uma ódio primitivo, em estreita articulação com uma angústia persecutória invasora.

Provavelmente, no seu delírio de perseguição - ditado pela identificação projectiva patológica, evacuativa - o jovem mais não fez do que atribuir a outrem - às vítimas, no caso – partes não toleradas do seu próprio self.

A identificação projectiva tem, de facto, este carácter omnipotente, de evacuação e controlo, em / de outrem, daquilo que o próprio odeia e não tolera como sendo seu.

Assim, a realidade interna, com toda a sua fantasmática destrutiva, tornou-se na realidade externa.

Entendamo-nos, fiel leitor: o perseguidor que o psicótico identifica, no exterior, mais não é do que O perseguidor interno - o chamado mau objecto persecutório -, maciçamente projectado. Não se tratando o externo de um representante - um símbolo do mau objecto interno -, com propriedade, podemos falar de equação simbólica (a antítese da representação simbólica), segundo a qual se esbate a diferença essencial entre símbolo e objecto simbolizado; i.e., por força do mecanismo da identificação projectiva, em articulação com a equação simbólica, as criaturas que Cho Seung-Hui assassinou, para o próprio, mais não são do que os seus perseguidores internos, e não representantes dos mesmos.

Depois venham falar-me em «revolta contra a não-integração», «intolerância pela diferença» e teses análogas, que falham redondamente na base!

O que posso assegurar ao leitor é que, não fora a natureza psicótica do jovem em questão, nada disto teria sucedido! A dita revolta teria sido viviva neuroticamente - por via da palavra e da representação -, sem confusão entre mundo interno / mundo externo!

That’s my point!

1 comentário:

  1. Caro Dissoluto:

    Concordo inteiramente com o que escreveu. Está de acordo, para quem não sabe, com o que se sabe acerca da Esquizofrenia Paranóide hoje em dia. Não conheço os pormenores do caso, mas segundo o pouco que sei, este jovem era, aos olhos dos seus colegas, uma pessoa solitária, muito reservada. A própria expressão facial do jovem revela, segundo me pareceu, um certo embotamento comunicativo característico de pessoas com este problema.
    Faz-me, então, bastante sentido o seu diagnóstico.
    Mas mais uma vez lastimo que só se dê atenção a estas pessoas já depois da doença se ter instalado. Será que tudo isto não poderia ter sido evitado caso se desse importância aos sinais que este jovem já teria por certo demonstrado até então? Digo mais: que tipo de acompanhamento têm na escola (nos centros de saúde, colégios...etc) as crianças e os jovens ao longo do seu desenvolvimento psicossocial? Será que os professores e outros educadores estão habilitados a darem suporte ao desenvolvimento saudável destas pessoas, a detectarem precocemente os primeiros sinais de doença...?
    É por isso que digo que a Saúde Mental ainda é muito negligenciada, em todos os seus níveis de prevenção.

    Filipe

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