Os Puritanos, de Bellini, representam com propriedade a ópera belcantista, característica de inícios do século XIX: sobre uma trama histórica sem grande relevância, as vozes são convidadas a piruetas pelos domínios do sobre-agudo; requer-se muita disciplina, muita técnica, muito floreado e apenas algum talento dramático.
De entre a produção operática de Bellini, I Puritani é um produto de segunda, abafado por A Sonâmbula, esmagado por Norma.
Se é verdade que o belcanto demanda uma técnica vocal superlativa, não menos verdadeira é a circunstância de reclamar a presença de uma primadonna. De facto, a escola belcantista – Rossini, Donizetti e Bellini –, como nenhuma outra, escrevia e produzia, sobretudo, para estrelas femininas.
Ora, esta récita não foi excepção à regra! O Met contratara, nem mais, nem menos, do que a estrela lírica do momento: Anna Netrebko. No passado, para o mesmo papel, contámos com Sutherland e Sills, além de Swenson, que vestiu a pele de Elvira em finais de 1990.
Este conjunto de récitas de I Puritani apoiou-se numa já velha e datada produção dos anos 1970, estreada pelas estrelas líricas da época – Sutherland & Pavarotti, Milnes e Morris.
A produção de Sandro Sequi assenta num hiper-realismo grandioso, prolixo em efeitos marmoreados, com veludo a metros; tudo muito à l´époque, com cenários de dimensões impressionantes: castelos imensos, fontes grandiosas, jardins amplos, enfim... A pobre bela-adormecida, perto desta grandiosidade, corroer-se-ia de inveja!
Da encenação, pouco há a destacar. Sharon Thomas investe no ultra-convencional: as “meninas” exprimem a felicidade dando piruetas sobre si mesmas, os rapazes falam de amor com a mão direita sobre o coração...
Diria tratar-se de uma movimentação cénica muito datada, e algo bafienta...
No tocante a intérpretes, a coisa piou mais fininho.
Globalmente, a distribuição revelou grande homogeneidade, pautando-se pela mestria.
Pessoalmente, nada tenho contra as divas, sobretudo se o estatuto de que gozam decorre de um talento invulgar. Ora, se além de talentosa, a diva for bela, tanto melhor.
Netrebko é, no mínimo, de uma beleza espantosa, cálida e envolvente; uma actriz sólida e de uma elegância assinalável.
Anna Netrebko compôs uma Elvira pueril e complexa - na inocência, na joie, na insanidade -, vocalmente... arrebatadora! Até vê-la ao vivo, sempre duvidei do seu real valor artístico, devo assinalar.
Sem sombra de estridência e / ou de esforço, projecta agudos naturalíssimos e graciosos, quase luminosos. O timbre é belíssimo, singular, não sendo a voz particularmente grande.
Peca pela dicção deficiente - absolutamente incompreensível, sobretudo nas passagens de coloratura -, sendo indiscutivelmente mais lírica do que spinto - a técnica, a ornamentação, a coloratura, contêm hesitações...
Do meu ponto de vista, Netrebko será tanto mais convincente, quanto investir nos recitativos e na técnica.
Quanto a Gregory Kunde - Lord Arturo -, estupidamente, há muito que lhe vaticinam o ocaso vocal. É mentira!
Recordo o notável Elvino que compôs no TNSC, em 1999, ladeado pela estupenda Swenson (que, no MET, precedeu Netrebko, justamente em I Puritani, em 1998, como disse).
Kunde mantém o estilo belcantista, disciplinado e rico em ornamentos. Porventura, estará um pouco menos seguro nas vocalizações; ainda assim, os agudos mantêm a solidez de há anos.
O Arturo de tenor norte-americano é rico em emoção e afecto, sendo bastante convincente teatralmente.
Por fim, uma palavra para Patrick Summers, que dirigiu uma das mais extraordinárias orquestras do mundo, em matéria de ópera (romântica, sobretudo, diga-se em abono da verdade...). Embora a sua direcção privilegiasse o peso da massa orquestral, Summers revelou mestria, cuidado e atenção no lirismo, permitindo aos cantores brilharem, nunca os abafando. Confesso que, de início, temi o pior, tal não era o volume da orquestra !
Numa palavra, diria ter realizado um trabalho convencional, mas eficaz.
Enfim, esta récita de I Puritani constituiu um momento marcado pelo brilho vocal, apesar do descrito convencionalismo, teatral, musical e visual.
De entre a produção operática de Bellini, I Puritani é um produto de segunda, abafado por A Sonâmbula, esmagado por Norma.
Se é verdade que o belcanto demanda uma técnica vocal superlativa, não menos verdadeira é a circunstância de reclamar a presença de uma primadonna. De facto, a escola belcantista – Rossini, Donizetti e Bellini –, como nenhuma outra, escrevia e produzia, sobretudo, para estrelas femininas.
Ora, esta récita não foi excepção à regra! O Met contratara, nem mais, nem menos, do que a estrela lírica do momento: Anna Netrebko. No passado, para o mesmo papel, contámos com Sutherland e Sills, além de Swenson, que vestiu a pele de Elvira em finais de 1990.
Este conjunto de récitas de I Puritani apoiou-se numa já velha e datada produção dos anos 1970, estreada pelas estrelas líricas da época – Sutherland & Pavarotti, Milnes e Morris.
A produção de Sandro Sequi assenta num hiper-realismo grandioso, prolixo em efeitos marmoreados, com veludo a metros; tudo muito à l´époque, com cenários de dimensões impressionantes: castelos imensos, fontes grandiosas, jardins amplos, enfim... A pobre bela-adormecida, perto desta grandiosidade, corroer-se-ia de inveja!
Da encenação, pouco há a destacar. Sharon Thomas investe no ultra-convencional: as “meninas” exprimem a felicidade dando piruetas sobre si mesmas, os rapazes falam de amor com a mão direita sobre o coração...
Diria tratar-se de uma movimentação cénica muito datada, e algo bafienta...
No tocante a intérpretes, a coisa piou mais fininho.
Globalmente, a distribuição revelou grande homogeneidade, pautando-se pela mestria.
Pessoalmente, nada tenho contra as divas, sobretudo se o estatuto de que gozam decorre de um talento invulgar. Ora, se além de talentosa, a diva for bela, tanto melhor.
Netrebko é, no mínimo, de uma beleza espantosa, cálida e envolvente; uma actriz sólida e de uma elegância assinalável.
Anna Netrebko compôs uma Elvira pueril e complexa - na inocência, na joie, na insanidade -, vocalmente... arrebatadora! Até vê-la ao vivo, sempre duvidei do seu real valor artístico, devo assinalar.
Sem sombra de estridência e / ou de esforço, projecta agudos naturalíssimos e graciosos, quase luminosos. O timbre é belíssimo, singular, não sendo a voz particularmente grande.
Peca pela dicção deficiente - absolutamente incompreensível, sobretudo nas passagens de coloratura -, sendo indiscutivelmente mais lírica do que spinto - a técnica, a ornamentação, a coloratura, contêm hesitações...
Do meu ponto de vista, Netrebko será tanto mais convincente, quanto investir nos recitativos e na técnica.
Quanto a Gregory Kunde - Lord Arturo -, estupidamente, há muito que lhe vaticinam o ocaso vocal. É mentira!
Recordo o notável Elvino que compôs no TNSC, em 1999, ladeado pela estupenda Swenson (que, no MET, precedeu Netrebko, justamente em I Puritani, em 1998, como disse).
Kunde mantém o estilo belcantista, disciplinado e rico em ornamentos. Porventura, estará um pouco menos seguro nas vocalizações; ainda assim, os agudos mantêm a solidez de há anos.
O Arturo de tenor norte-americano é rico em emoção e afecto, sendo bastante convincente teatralmente.
Por fim, uma palavra para Patrick Summers, que dirigiu uma das mais extraordinárias orquestras do mundo, em matéria de ópera (romântica, sobretudo, diga-se em abono da verdade...). Embora a sua direcção privilegiasse o peso da massa orquestral, Summers revelou mestria, cuidado e atenção no lirismo, permitindo aos cantores brilharem, nunca os abafando. Confesso que, de início, temi o pior, tal não era o volume da orquestra !
Numa palavra, diria ter realizado um trabalho convencional, mas eficaz.
Enfim, esta récita de I Puritani constituiu um momento marcado pelo brilho vocal, apesar do descrito convencionalismo, teatral, musical e visual.
João,
ResponderEliminarNão distancio tanto a Sonâmbula dos Puritanos. Até arrisco pô-las em paralelo. São ambas obras-primas do bel-canto, embora a uma distância respeitável da Norma, a joia do bel-canto italiano.
Eu tenho a versão da Callas e da Caballé. Altamente recomendáveis, embora a primeira seja obrigatória. A Callas ultrapassa tudo no "Ah! Vieni al tempio". Lembro-me de ter tido a versão Sutherland / Bonynge onde os coros exploravam frases que resultavam mais belas do que noutras versões.
Raul
Olá Raúl.
ResponderEliminarE o d.v.d. da Norma com a Gruberova o Raúl conheçe? Está agora à venda e encontro-me muito inseguro....
J. Ildefonso.
J. Ildefonso,
ResponderEliminarA crítica da Gramophone foi "cosi cosi". Mas eu penso que o João tem acesso a um exemplo, porque uma vez eu fui ao Youtube e visionei a Casta Diva e outros trechos pela Gruberova. Totalmente à defesa, o que desfigura a Norma. Tenho pena de escrever estas linhas, pois sou um admirador da Gruberova. Mas é preciso ver se o que vi orreponde à gravação.
Raul