sexta-feira, 18 de novembro de 2005

Tão bom quanto mau...


(RCA VICTOR OPERA SERIES 60172-2-RG)

Esta interpretação, que data dos anos 1950 - idade de ouro do canto lírico e... do Met, que então produzia cantores de craveira, a uma velocidade incrível -, conta com um dos mais famosos elencos, à época: Robert Merrill, no papel titular, Roberta Peters, como Gilda (sua filha), e... o tenoríssimo escandinavo Jussi Bjoerling, na pele de Duque de Mântua.

Um Cast à la Met, ainda que a gravação tenha sido realizada em Roma.

Já agora, coincidência espantosa, adquiri esta leitura, justamente, no Lincoln Center, no edifício da Julliard School, a dez metros da Metropolitan Opera House!

Em meu entender, este registo de Rigoletto é um dos mais paradoxais, merecendo ser discutido, exactamente, por essa circunstância: o grande mérito desta leitura provém dos solistas, sendo os mesmos responsáveis, em ampla escala, pelos deméritos da mesma interpretação!

Vamos a detalhes.

Roberta Peters - Olympia de sonho e Rosina destacada - compõe, provavelmente, a melhor Gilda cantada da discografia. De voz pequenina, muito redonda, embora não particularmente extensa, a soprano americana canta uma espantosamente disciplinada Gilda, vocalmente estonteante.

Soprano ligeiro, por excelência, a intérprete falha, por isso mesmo! Hélas, mostra-se absolutamente opaca na caracterização da abnegada e masoquista Gilda.

Bjoerling, sem surpresa, forma uma bela parelha com Peters, para o bem e para o mal: estilista invejável, brilha pelo timbre luminoso e pela disciplina inabalável.

A personagem que compõe, por mero acaso, é o Duque de Mântua, figura vil, egoísta e desprezível! Pena é que ninguém reconhece estas facetas à dita personagem, partindo da interpretação do sueco...

Sem a mínima modulação emocional, teatralmente ausente, Jussi Bjoerling espalha-se ao comprido!
Devo confessar que não me surpreendeu...

Dos três principais solistas, Merrill tem o mérito de mais se destacar, em termos dramáticos, sobretudo. Ainda assim, compõe um bobo assaz hesitante: mais convincente do que os citados colegas, Robert Merrill frustra por, sistematicamente, bordejar as diferentes tonalidades emocionais da figura que constrói, não passando daí... ; compreendendo-as - é certo -, falha na expressão convincente e declarada das mesmas.
Que pena...

A direcção de Perlea mostra-se correcta, mas sem brilho, nem alma, além de apressada e fugidia.

Em síntese, diria tratar-se de um interpretação que prima pela correcção técnica - invejável e plena de estilo -, frustrando, amplamente, na expressão - sem pathos, estranha a qualquer progressão dramática, teatralmente inconsistente... -, estando, a este nível, bem aquém da mediocridade.

Numa obra marcada pela tragédia (tradicionalíssima, tipicamente romântica, na sua abordagem), que se vislumbra desde o soar dos primeiros acordes, a descrita lacuna dramática é indesculpável, comprometendo e corroendo qualquer leitura séria e coerente.

6 comentários:

  1. Desconheço por completo a gravação a que se refere, mas gostei do estilo da crítica.

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  2. Obrigado, pela parte que me toca ;-))
    Se pretende um Rigoletto de referência, escute o da dupla Gobbi / Callas, da EMI!

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  3. Graças pelo conselho :)

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  4. Existe outro de referência:
    Kubelik: Diskau, Scotto, Bergonzi, Cossoto, Vinco (DG)

    O que aqui se faz referência, vale principalmente pela presença do Bjorling, que é considerado por muitos, incluindo a minha pessoa, o melhor tenor do Século XX. A revista ClassicCD foi mais longe ao fazer o balanço de todos os cantores do século XX: primeiro lugar.
    Raul

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  5. Raul,

    Esse cd da DG é, obviamente, o maior Rigoletto de que há memória! Não conheço outro igual!

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