Pouco-a-pouco, as comemorações das efemérides vão-se esbatendo...
Sinal dos tempos, que não renegando os momentos de ruptura, os assimilam, tornando-os seus...
...cravos vermelhos...assentes em verde, num fundo luminoso...
A posteriori, eis a minha singela referência à efeméride.
Penso, como muitos, que o 26º dia do mês de Abril contém a marca indelével da mudança.
O que terá isto a ver com Christine Schäfer?
Comecei o post a pensar nela...
A 25, trocaram-nos as voltas, para sempre.
A 26, foi a vez de Schäfer nos trocar as voltas, alterando radicalmente o programa do seu recital, a ponto de não ter havido tempo para a elaboração de uma nova brochura, que o serviço de música da Gulbenkian sempre cria com esmero e dedicação.
Havia-nos acenado com Wolf, Wagner e Purcell. Acabou a dar-nos Brahms, Debussy e Crumb.
Pelo que depreendo, o propósito de qualquer um dos programas visava, além de exibir as afinidades de Schäfer com os citados compositores, expressar a sua abrangência de repertório, a sua versatilidade interpretativa.
No que a mim me diz respeito, teria dado um ano da minha vida para escutar a proposta de leitura da interprete alemã dos Wesendonck-Lieder, ciclo que Wagner dedicara a uma das suas muitas musas... Matilde W., no caso.
Hélas... Assim não o permitiram as circunstâncias...
Confesso ter apreciado esta mudança de planos ! É assim que nos criam surpresas, que se exibem talentos novos, que se conhecem outros criadores !
By the way, foi numa substituição de última hora que Renata Scotto - a par de muitos outros caso de sucesso na lírica e demais territórios da música - rompeu com o anonimato, ao substituir a Callas, numa récita de La Sonnambula, de Bellini.
A circunstância de não ter programa, em lugar de me aborrecer, fascinou-me ! Imaginei-me em Tóquio, perdido, à procura de coisa nenhuma... não dominando o idioma nativo: O belo é-o, independentemente das palavras, pensei, nesta tarde de surpresas.
O recital teve início com Brahms, que sempre me entedia, a menos que se trate de Um Requiem Alemão, peça maior do repertório.
Apenas a figura de Schäfer rompeu com a tradição, na interpretação deste autor ainda romântico: vestido negro, bem cintado, com transparências ousadas, a bela Christine, contida, não ousou grande coisa... Brahms não me pareceu excitá-la, sendo que, a mim, quse me adormeceu...
As leituras dos lieder, invariavelmente, rimavam com monotonia, sendo pouco expressivas e muito limitadas nas interpretações. A própria técnica parecia algo comprometida. Imaginei-me em frente a uma tela, sem variações algumas nos tons...
Parti para o intervalo em «banho-maria»... à espera de um rasgo, de uma nova troca de voltas !
Em Debussy, começou a vislumbrar-se a tão desejada mudança.
O primeiro ciclo da noite - As Cantilenas Esquecidas - foi interpretado com mais empenho.
Apreciei as impressões - termo tão caro, quando se evoca Debussy... - expressas.
A interpretação das canções revelou mais envolvência e afinidades com o território abordado.
Plus on avance, plus elle est à l´aise...
Recordo que, apesar da versatilidade a que Schäfer aspira (nem sempre óbvia...), a cantora destacou-se e afirmou-se na interpretação de compositores pós-românticos - como Debussy e Chausson - e, sobretudo, Modernos, tais como Richard Strauss, Berg e Schoenberg.
Quando Eric Schneider e C. Shäfer regressaram ao palco, para interpretarem o último compositor da noite, deu-e o milagre ! Adianto a minha ignorância assumida, tanto no que ao criador toca - Crumb -, como à criatura - Apparitions...
Segundo reza o policopiado distribuido pelo serviço de música da FCB, George Crumb (Charleston, West Virginia - EUA -, nascido em 1929) é um compositor algo marginal, remetendo as suas criações para temas caros à metafísica.
O tema de Apparitions assenta numa referência descritiva a experiências relacionadas com a morte, sendo inspirado num poema de Walt Whitman - When Lilacs Last in the Dooryard Bloom´s, integrado numa colectânea de poemas organizados sob a designação Memories of President Lincoln, composição de contornos elegíacos, inspirada na morte do presidente americano assassinado.
Schneider regressou em camisa, de um branco maculado; Schäfer abeirou-se do piano, dele e nele retirando e colocando, alternadamente, partituras !
Branco e negro, numa simbiose que se avizinhava perfeita, plena de ousadia, rasgo e espontaneidade - a fazer (re)lembrar o clima de uma revolução, eternamente presente -, a dupla brilhou, rompendo com as mais elementares regras da apresentação em palco !!
Tudo constituiu uma surpresa... Visual, sonora, estética, plástica...
O pianista convencional, rigoroso e contido, num ápice, tornou-se num exímio percussionista, de uma agilidade e fulgor estonteantes; Schäfer, despudorada, seguiu-o... A emissão dos vocalizos roçou a luminosidade absoluta ! As Apparitions eram constantes, envolvidas numa jogo técnico seguro e sólido... O brilho era outro !!
Levitei... a metafísica do texto, por si só, não teria produzido semelhante efeito !
Nesta genial interpretação, marcada pela ruptura, pelo despudor e pela transcendência, reconheci o talento de uma das mais hábeis (re)criadoras da música Moderna...
Qual crisálida imóvel, presa de uma dolorosa e penosa metamorfose, eis que Schäfer atingiu a plenitude, esvoaçando graciosa...
dIVINA(OS)...
Sinal dos tempos, que não renegando os momentos de ruptura, os assimilam, tornando-os seus...
...cravos vermelhos...assentes em verde, num fundo luminoso...
A posteriori, eis a minha singela referência à efeméride.
Penso, como muitos, que o 26º dia do mês de Abril contém a marca indelével da mudança.
O que terá isto a ver com Christine Schäfer?
Comecei o post a pensar nela...
A 25, trocaram-nos as voltas, para sempre.
A 26, foi a vez de Schäfer nos trocar as voltas, alterando radicalmente o programa do seu recital, a ponto de não ter havido tempo para a elaboração de uma nova brochura, que o serviço de música da Gulbenkian sempre cria com esmero e dedicação.
Havia-nos acenado com Wolf, Wagner e Purcell. Acabou a dar-nos Brahms, Debussy e Crumb.
Pelo que depreendo, o propósito de qualquer um dos programas visava, além de exibir as afinidades de Schäfer com os citados compositores, expressar a sua abrangência de repertório, a sua versatilidade interpretativa.
No que a mim me diz respeito, teria dado um ano da minha vida para escutar a proposta de leitura da interprete alemã dos Wesendonck-Lieder, ciclo que Wagner dedicara a uma das suas muitas musas... Matilde W., no caso.
Hélas... Assim não o permitiram as circunstâncias...
Confesso ter apreciado esta mudança de planos ! É assim que nos criam surpresas, que se exibem talentos novos, que se conhecem outros criadores !
By the way, foi numa substituição de última hora que Renata Scotto - a par de muitos outros caso de sucesso na lírica e demais territórios da música - rompeu com o anonimato, ao substituir a Callas, numa récita de La Sonnambula, de Bellini.
A circunstância de não ter programa, em lugar de me aborrecer, fascinou-me ! Imaginei-me em Tóquio, perdido, à procura de coisa nenhuma... não dominando o idioma nativo: O belo é-o, independentemente das palavras, pensei, nesta tarde de surpresas.
O recital teve início com Brahms, que sempre me entedia, a menos que se trate de Um Requiem Alemão, peça maior do repertório.
Apenas a figura de Schäfer rompeu com a tradição, na interpretação deste autor ainda romântico: vestido negro, bem cintado, com transparências ousadas, a bela Christine, contida, não ousou grande coisa... Brahms não me pareceu excitá-la, sendo que, a mim, quse me adormeceu...
As leituras dos lieder, invariavelmente, rimavam com monotonia, sendo pouco expressivas e muito limitadas nas interpretações. A própria técnica parecia algo comprometida. Imaginei-me em frente a uma tela, sem variações algumas nos tons...
Parti para o intervalo em «banho-maria»... à espera de um rasgo, de uma nova troca de voltas !
Em Debussy, começou a vislumbrar-se a tão desejada mudança.
O primeiro ciclo da noite - As Cantilenas Esquecidas - foi interpretado com mais empenho.
Apreciei as impressões - termo tão caro, quando se evoca Debussy... - expressas.
A interpretação das canções revelou mais envolvência e afinidades com o território abordado.
Plus on avance, plus elle est à l´aise...
Recordo que, apesar da versatilidade a que Schäfer aspira (nem sempre óbvia...), a cantora destacou-se e afirmou-se na interpretação de compositores pós-românticos - como Debussy e Chausson - e, sobretudo, Modernos, tais como Richard Strauss, Berg e Schoenberg.
Quando Eric Schneider e C. Shäfer regressaram ao palco, para interpretarem o último compositor da noite, deu-e o milagre ! Adianto a minha ignorância assumida, tanto no que ao criador toca - Crumb -, como à criatura - Apparitions...
Segundo reza o policopiado distribuido pelo serviço de música da FCB, George Crumb (Charleston, West Virginia - EUA -, nascido em 1929) é um compositor algo marginal, remetendo as suas criações para temas caros à metafísica.
O tema de Apparitions assenta numa referência descritiva a experiências relacionadas com a morte, sendo inspirado num poema de Walt Whitman - When Lilacs Last in the Dooryard Bloom´s, integrado numa colectânea de poemas organizados sob a designação Memories of President Lincoln, composição de contornos elegíacos, inspirada na morte do presidente americano assassinado.
Schneider regressou em camisa, de um branco maculado; Schäfer abeirou-se do piano, dele e nele retirando e colocando, alternadamente, partituras !
Branco e negro, numa simbiose que se avizinhava perfeita, plena de ousadia, rasgo e espontaneidade - a fazer (re)lembrar o clima de uma revolução, eternamente presente -, a dupla brilhou, rompendo com as mais elementares regras da apresentação em palco !!
Tudo constituiu uma surpresa... Visual, sonora, estética, plástica...
O pianista convencional, rigoroso e contido, num ápice, tornou-se num exímio percussionista, de uma agilidade e fulgor estonteantes; Schäfer, despudorada, seguiu-o... A emissão dos vocalizos roçou a luminosidade absoluta ! As Apparitions eram constantes, envolvidas numa jogo técnico seguro e sólido... O brilho era outro !!
Levitei... a metafísica do texto, por si só, não teria produzido semelhante efeito !
Nesta genial interpretação, marcada pela ruptura, pelo despudor e pela transcendência, reconheci o talento de uma das mais hábeis (re)criadoras da música Moderna...
Qual crisálida imóvel, presa de uma dolorosa e penosa metamorfose, eis que Schäfer atingiu a plenitude, esvoaçando graciosa...
dIVINA(OS)...
Grato pelo elogio...
ResponderEliminarps enviei-lhe um mail