quarta-feira, 13 de abril de 2005

Ainda e Sempre Wagner... O Crepúsculo das gravações em estúdio

Em Janeiro passado, o The Independent, o New York Times e a Diapason oficializaram um rumor que há muito circulava nos meios editoriais: Tristão e Isolda, com Domingo e Stemme, dirigidos por Pappano, seria a derradeira gravação em estúdio de uma ópera.

Como amante de ópera que sou, não fiquei indiferente diante deste facto - tudo leva a crer - inexorável...

A polémica
Live vs Estudio, no que à gravação de opera concerne, tem animado, desde há décadas, um aceso debate.
Se os partidários das gravações ao vivo, nos espaços próprios - que são as salas de ópera - se assumem como defensores acérrimos da espontaneidade e do purismo, os apoiantes da gravação em estúdio fundamentam a sua opção, nomeadamente, no respeito escrupuloso pelas partituras e na possibilidade de se produzirem artigos próximos da perfeição, ainda que, em certo sentido, artificialmente...

A minha posição - que não é ortodoxa - não se revê em nenhuma destas extremadas teses. Creio haver espaço para ambos os registos.

Aliás, a história da edição de música é prolixa em artigos que desmentem as extremadas posições que acima caracterizei, desconstruindo os argumentos que cada uma delas aduz !

Senão, vejamos o caso de
Tristão e Isolda.

Desta monumental ópera, tenho 9 registos, sendo dois em dvd.

Porque será que figura entre as melhores interpretações a de Furtwangler, com Flagstad ?
Et pourtant, todos sabemos que, nas passagens mais agudas, Schwarzkopf emprestou a sua ágil voz à interprete oficial da gravação, já entradota na idade, by the time !

A gravação de Bohm, com Windgassen e Nilsson, em meu entender, encontra-se, também, entre as melhores interpretações desta ópera. Trata-se de um
live, captado em 66... e sem batota !

E a fogosa leitura de Fritz Reiner, com Melchior e Flagstad (novíssima !), igualmente captada ao vivo, em Covent Garden ??

Baralhemos a coisa...

Carlos Kleiber realizou, da ópera em debate, uma prodigiosa gravação, paradigmática do artificialismo.
O (divino) maestro escolheu M. Price para encarnar a heroína feminina...
Na altura, esta escolha fez correr tinta e mais tinta, tendo alguns vaticinado uma catástrofe !
O milagre produziu-se, estando aí para quem tiver dúvidas.
Price - que nunca abordou o papel, em cena, por lhe escaparem os recursos necessários - aceitou o desafio do maestro. Acedeu em gravar o papel, ao longo de intermináveis sessões (durante dois anos !), em estúdio.

Domingo chegou a assinar contrato com a direcção de Bayreuth para interpretar Tristão, sob proposta de Barenboim. Porém, à última da hora, cancelou as récitas. Num gesto de inteligência e de humildade disse que, se o tivesse encarnado, a sua voz pagaria uma factura elevadíssima, comprometendo o resto da sua carreira ! Note-se que este episódio teve lugar em inícios da década de 90, quando o interprete se lançou, em pleno, na interpretação dos papeis de
heldentenor !

Para finalizar - e para provar quão etéreas são as ortodoxas posições pró e contra o estúdio /
live - proponho que se comparem as duas gravações realizadas por Karajan.
A primeira, captada em Bayreuth, com Modl e Vinay, é prodigiosa, rica, colossal e homogénea; a segunda, apenas é salva pelo Tristão de Vickers, contando com uma das mais desastrosas Isoldas da discografia: Dernesch... Nem o estúdio ajudou !

Creio haver espaço para ambas as formas de registo, cuja qualidade em nada tem que ver com o local e a forma de captação !

Outra coisa é o final das gravações em estúdio - trágica notícia, essa sim...-, por questões estritamente financeiras, absolutamente estranhas à polémica a que aludi neste post...

3 comentários:

  1. Mesmo muito atrasado, tenho que dizer que a Schwarzkopf apenas emprestou duas notas, no início do Segundo Acto.
    Raul (04.04.06)

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  2. Duas notas, é certo, que a grande Flagstad (já) não conseguia dar... A idade não perdoa!

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  3. E por duas notas íamos ficar sem a Isolda do século trabalhando com o seu amigo, que, por sinal era somente o melhor intérprete de Wagner de sempre ! Só por duas notas !!!
    Raul

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