sexta-feira, 17 de junho de 2005

Gardiner e a ópera mozartiana: As Bodas de Figaro

Na década de ´90, John Eliot Gardiner empreendeu um hercúleo trabalho: gravar, para a ARCHIV, parte substancial da composição operática mozartiana, em instrumentos da época.
Contou, para tal, com o Monteverdi Choir, bem como com os English Baroque Soloists - versão barroca da Orchestre Revolutionnaire et Romantique -, formação orquestral por si fundada e presidida, famosa pelas cuidadas interpretações de música pré-romântica que, invariavelmente, recorre a instrumentos da época.
Para além da célebre trilogia - formada por Don Giovanni, As Bodas de Fígaro e Così Fan Tutte -, Gardiner gravou ainda O Rapto do Serralho, A Clemência de Tito, Idomeneu, Rei de Creta e A Flauta Mágica.
O imenso trabalho que o maestro inglês empreendeu, além de primar pelo rigor, é de uma coerência notável. A par da circunstância de ter utilizado, exclusivamente, instrumentos da época, a mesma formação orquestral e o mesmo coro, como intérpretes vocais, John Eliot Gardiner escolheu jovens solistas, detentores de vozes frescas e seguras (ainda) avessas a meneirismos histriónicos. Refira-se, a este propósito, Terfel, Rolf-Johnson, Von Otter, Orgonasova e Oelze, entre outros. No decurso da década de ´90, todos eles se afirmaram no panorama lírico mundial como reputados interpretes - entre outros territórios - de ópera mozartiana. Gardiner fora um visionário...
Em 1998, comme par hasard, descobri As Bodas de Fígaro dirigidas por John E. Gardiner. Nunca mais me separei desta magnífica interpretação ! Levo-a para onde quer que vá...
A direcção de Gardiner é espantosa e infinitamente teatral, rápida e fugaz, sendo a que - em meu entender - mais explicitamente traduz o ambiente que se vive nesta singular louca jornada ! Atente-se no vigor da abertura ! Verdadeiramente breathtaking...
Paralelamente à ilustre direcção musical de Gardiner, nesta inusitada leitura, destacaria, sobretudo, os intérpretes masculinos.
Terfel compõe um Fígaro pleno de inteligência, sagacidade e fulgor, afirmando-se pela virilidade. Traça-nos um Fígaro complexo, astuto, hábil, vocalmente denso, seguro e profundamente humano.
Bryn Terfel é, seguramente, o mais reputado barítono mozartiano da actualidade, tendo iniciado a sua brilhante carreira como Guglielmo (Così Fan Tutte), na Ópera Nacional do País-de-Gales. Seguiram-se todas as grandes personagens mozartianas buffas: Masetto, Figaro, Leporello, bem como o papel titular de Don Giovanni, de que é, nos dias que correm, o mais hábil e requisitado interprete.
Rodney Gilfry - à época, jovem barítono americano -, vocalmente correcto, oferece-nos um refinado Conde, imenso na sua arrogância e patético no seu orgulho. Na cena final, diante da Condessa, o seu arrependimento é de uma humanidade estonteante, convencendo a mais céptica das criaturas !
Inteligentemente, Gardiner entrega o papel de Dr. Bártolo a Carlos Feller - sul-americano, de nascimento, há muito habitué dos teatros líricos alemães -, um soberbo baixo sexagenário, que interpreta a mais fabulosa La vendeta que conheço ! Inigualável !!!
No que se refere aos papeis femininos, a Suzana de Hagley sobressai pela teatralidade. Não possuindo um instrumento vocal particularmente dotado, a interprete compõe uma divertida Suzana, astuta e dócil.
O maestro entregou a Condessa a H. Martinpelto, por quem parece ter uma inexplicável predilecção, já que a mesma interpreta diversas personagens - Leonora (Fidelio) e Electra (Idomeneo), entre outras - em inúmeras gravações por ele dirigidas. Não consigo reconhecer outras qualidades a esta cantora escandinava, para além do rigor com que interpreta uma das mais complexas personagens da ópera de Mozart ! Como poucas cantoras, Della Casa e Schwarzkopf traçam-nos uma Condessa dócil, astuta e melancólica, de uma elegância inigualável...
Por último, P. Helen Stephen interpreta um Chérubino pretensamente original, cuja emissão vocal quase roça o caricato, mercê de uma caracterização excessivamente teatral...
Esta interpretação, plena de virtudes e prolixa em fragilidades, em minha opinião, constitui a mais séria e sólida interpretação da louca Jornada dos últimos trinta anos !
A seu tempo, tecerei outros comentários às demais interpretações mozartianas de Gardiner.
(ARCHIV 439 871-2)
Em alternativa a esta gravação áudio - captada ao vivo, em Londres -, a DG disponibiliza, em DVD (DVD-VIDEO NTSC 073 018-9), um registo da mesma ópera de uma récita em Paris - Théâtre du Châtelet -, com o mesmo elenco.
A não perder, pela coesão teatral, para além das já mencionadas virtudes musicais e interpretativas !

1 comentário:

Anónimo disse...

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